Parceria entre Fiocruz e USAID capacita equipes, aumenta oferta diagnóstica e ajuda a reduzir tempo de respostas dos laboratórios de saúde pública na Amazônia

A Frente 2 do Projeto Ciência, Saúde e Solidariedade no Enfrentamento à Covid-19, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), NPI EXPAND e SITAWI, foi um divisor de águas na vida de profissionais que atuam nos laboratórios centrais e de fronteira nos Estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre, na região Norte do País. Eles receberam a capacitação, com aulas teóricas e práticas sobre a realização de testes RT-PCR de inferência e sequenciamento genômico, e viram suas rotinas de trabalho mudarem de modo significativo, para melhor, com a introdução da vigilância genômica em seus laboratórios. Em alguns casos, a mudança gerou também maior eficiência na prestação dos serviços de diagnóstico laboratorial, com a diminuição do tempo de resposta na obtenção dos dados e a possibilidade de monitoramento de linhagens e variantes não só do SARS-CoV-2 como de outros vírus circulantes nas suas áreas de atuação. Como explica o farmacêutico e bioquímico Kayser Rogério Oliveira da Silva, que trabalha no Laboratório de Fronteira de Tabatinga, no Amazonas. Natural de Maués (AM), ele foi um dos 20 profissionais capacitados pelo projeto.

Os treinamentos ocorreram entre os meses de outubro e novembro de 2022, mas, para Kayser, a experiência tem reflexos positivos até hoje. “Só tenho a agradecer à Fiocruz pelas oportunidades de capacitação que tivemos porque, por meio dela, foi possível introduzir uma nova tecnologia à qual não tínhamos acesso antes. Foi bastante importante para nós descentralizarmos os exames que antes eram encaminhados para Manaus”, relata o bioquímico. Segundo ele, a mudança começou já na época da pandemia com a realização das missões de saúde da Fiocruz, que permitiram a introdução de equipamentos fundamentais para o diagnóstico e o controle na pandemia.

“Não só em Tabatinga, no Amazonas, mas as mudanças introduzidas no Laboratório de Fronteira trouxeram benefícios para as cidades localizadas nas fronteiras do Peru e Colômbia, além dos oito municípios do Alto Solimões”, destaca, referindo-se às cidades de Benjamin Constant, Atalaia do Norte, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antonio do Içá, Tonantins, Fonte Boa, Jutaí e Amaturá. Além da realização profissional, Kayser conta que o aprendizado trouxe também conquistas pessoais importantes, estimulando-o a buscar especialização na área. “Foi muito bom aprender porque pude incorporar ao que já pratico no dia a dia, no setor de sorologia (ele trabalha com teste de Elisa, utilizado para detecção de doenças autoimunes, alergias, doenças infectocontagiosas, entre outras), que era feito com um tipo de ensaio para cada amostra e passei a utilizar a tecnologia RTPCR, na biologia molecular implementada nesse período, que me permite fazer, em uma amostra, nove tipos diferentes de teste”, afirma ele, que cursa atualmente o Mestrado do Programa Educacional de Vigilância em Saúde nas Fronteiras (VigiFronteiras), da Fiocruz.

O bioquímico Alan Chaves Pereira, companheiro de trabalho do Kayser, é outro profissional do Lafron-Tabatinga satisfeito com o impacto causado pelo treinamento do Projeto Ciência, Saúde e Solidariedade no Enfrentamento à Covid-19. “Lembro que tivemos inicialmente aqui a visita do virologista Felipe Naveca (pesquisador da Fiocruz e coordenador da Frente 2 do projeto), que veio fazer uma coleta de dados e nesse momento houve muita conversa e o repasse de informações muito importantes para nós. Junto com a ação da FVS e LACEN (Fundação de Vigilância em Saúde e Laboratório Central do Amazonas), foi possível trazer novos equipamentos, o que nos estimulou a fazer novos diagnósticos aqui na região. A capacitação abriu um leque de novos diagnósticos para a população. Passamos a fazer análises para praticamente 21 vírus respiratórios, além de uma gama de exames para doenças febris, incluindo-se aí febre amarela, oropouche, mayaro, febre do nilo, entre outras”, salientou Allan. O aumento da oferta diagnóstica para a população foi um passo decisivo para a consolidação do trabalho de cobertura do Lafron, que se tornou referência para a região da Tríplice Fronteira. Assim como Kayser, Allan também partiu para cursar o Mestrado no Programa VigiLabSaúde, de Saúde Pública, oferecido pela Fiocruz em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, com foco na vigilância, preparação e resposta frente a surtos, epidemias, endemias e pandemias.

Para o biomédico Marcelo Ferreira dos Santos, que trabalha no Lafron-Tabatinga há seis anos, o contato com a Biologia Molecular se deu em 2021. “Foi como se fosse uma introdução a algo que nunca tinha visto antes, fizemos uma capacitação com o doutor Felipe (Naveca) e logo depois começamos a trabalhar. Fomos aprendendo com a rotina e o curso que fiz em Manaus, em 2022, foi o primeiro focado na área, onde aprendi o significado de muitas coisas que não sabia, tinha muitas dúvidas”, relembra Marcelo, que é natural de Manaus e reside em Tabatinga desde 2014. Segundo ele, o curso foi importante porque o ajudou a sanar dúvidas do dia a dia profissional. “Foi um curso de uma semana, onde aprendemos bastante. Sabemos que a Biologia Molecular é uma área bem extensa e temos que nos atualizar”, afirma.

Trabalhando desde 2017 no Lafron, Marcelo conta que a ampliação dos serviços oferecidos pelo laboratório fez com que as demandas do município passassem a ser atendidas sem precisar serem encaminhadas ao Laboratório Central. “Antes as amostras eram encaminhadas ao laboratório de referência, em Manaus, o que tornava o processo mais demorado. Dependendo da demanda, hoje liberamos uma placa em até 24 horas. Todo esse processo significou um crescimento profissional que eu jamais imaginei que viveria”, comentou. Marcelo tenta atualmente uma vaga no Mestrado da Fiocruz. “Durante a minha graduação, sempre ouvia falar em Biologia Molecular e agora me sinto realizado trabalhando profissionalmente na área”, comemora.

Herton Augusto, diretor do Laboratório de Fronteira de Tabatinga, AM, fez um agradecimento especial pelo pontapé inicial proporcionado com o apoio da Fiocruz Amazônia e o Projeto Ciência e Solidariedade. “Naquela fase difícil, durante a pandemia de COVID-19, a estrutura física do Lafron, por meio do apoio da Fundação de Vigilância em Saúde, teve um papel fundamental para a região da Tríplice Fronteira e a capacitação oferecida na sequência proporcionou um conhecimento amplo aos técnicos da bancada da biologia molecular possibilitando que pudessem dar continuidade ao dia a dia do trabalho de diagnóstico na área fronteiriça e que estejam preparados para possíveis novas pandemias”, exaltou.

MONITORAMENTO EFETIVO EM RORAIMA

Com a introdução da vigilância genômica no Laboratório Central de Roraima (Lacen-RR), em março de 2022, foi possível diminuir o tempo de resposta nos dados obtidos e aprimorar o monitoramento de linhagens e variantes do SARS-CoV-2, circulantes no Estado. Cátia Menezes, diretora técnica do Lacen-RR, explica que a capacidade ampliada tornou mais efetivo o processo de tomada de decisões pelas Vigilâncias em Saúde Municipais e Estadual no que se refere às estratégias de enfrentamento da COVID-19. A unidade foi contemplada com a capacitação do Projeto Ciência e Solidariedade, possibilitado pela parceria Fiocruz Amazônia/USAID, em Boa Vista.

“O Lacen-RR iniciou a rotina de sequenciamento genético do SARS-CoV-2, após treinamento ministrado pelo assessor científico da empresa responsável pela instalação dos equipamentos. Muitas dúvidas técnicas foram surgindo no decorrer das rotinas e a necessidade de uma capacitação in-loco ministrada por profissionais experientes na temática tornou-se fundamental”, relata, ressaltando a importância do treinamento oferecido pelo projeto, com aulas teóricas (análise de dados) e práticas, ministradas pelo virologista Felipe Naveca, ao longo de uma semana.

Segundo Cátia, antes da modernização, as amostras elegíveis para sequenciamento eram encaminhadas, via aérea, para o laboratório de referência. “Hoje, o Lacen-RR é composto por duas áreas: Biologia Médica Humana e Química-Bromatologia, com 11 laboratórios atuantes. Entre eles, o de Micologia Clinica, Controle de Qualidade em Malária, Hanseníase, Tuberculose, Bacteriologia Clínica, HIV e Hepatites Virais, Imuno/Parasitologia, Biologia Molecular, Sequenciamento Genético, Microbiologia de Água e Alimentos e Físico-Química”, elenca.

Em pouco mais de um ano, até maio de 2023, cerca de 26 mil exames de interesse em saúde pública, sendo quase 3 mil da Biologia Molecular, foram liberados pela unidade, motivo de orgulho para a diretora. “Destacamos na área da Biologia Molecular o diagnóstico para Mayaro e Oropouche, através do protocolo NAVECA. A equipe foi treinada pelo Dr. Felipe Naveca e mantemos essa parceria técnico-científica que vem proporcionando a incorporação de diagnósticos na rotina e assim ampliando a vigilância para outros arbovírus, além do dengue, zika e chikungunya”, ressalta a diretora, que também participou da capacitação.

CAPACITAÇÃO

O projeto atuou na capacitação de profissionais lotados nos laboratórios de saúde pública dos Estados de Roraima, Amazonas e Acre. No total, foram capacitados 20 profissionais entre os meses de outubro e novembro de 2022, com a realização de oficinas com aulas teóricas e práticas sobre a realização de testes RT-PCR de inferência e sequenciamento nucleotídico. O trabalho integra a Frente 2 do projeto, que atua também na capacitação de agentes comunitários de saúde em diagnóstico e tratamento (Frente 1) e na sensibilização de populações ribeirinhas, quilombolas e migrantes, quanto à importância da vacinação e dos cuidados para prevenção da doença (Frente 3).

A bioquímica Adriana Salvador foi uma das profissionais do setor de Biologia Molecular do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Rondônia, em Porto Velho, participantes da oficina realizada em outubro do ano passado. Ela contou que, em razão da pandemia de COVID-19, passou a trabalhar no setor, como apoio e acabou ficando. “Com a implantação do sequenciamento genético no Lacen-RO, o acesso a esses resultados torna-se mais rápido, o que auxilia ainda melhor em nível de vigilância”, conta.

SOBRE OS PARCEIROS

No Brasil, a USAID, a NPI EXPAND e a SITAWI Finanças do Bem se uniram para criar uma parceria para apoiar a Resposta à COVID-19 na Amazônia. Entre 2020 e 2021, a primeira fase do projeto do NPI EXPAND Resposta à COVID-19 na Amazônia  distribuiu mais de 23 mil cestas básicas e kits de higiene, capacitou mais de 500 agentes comunitários de saúde, doou mais de 1,4 milhão de máscaras feitas por costureiras locais e divulgou mensagens educativas de prevenção para mais de 875 mil pessoas na região. A Fase está promovendo maior resiliência das comunidades amazônicas através do apoio amplo a vacinação contra a COVID-19, campanhas de informação e combate à fake News, e apoiando os sistemas locais de saúde na região com equipamentos e insumos para detectar, prevenir e controlar a transmissão de Covid-19, bem como realizar o acompanhamento de casos agudos de COVID-19 e tratar as sequelas de síndrome pós-COVID-19.