HISTÓRICO
ILMD/Fiocruz Amazônia
ILMD/Fiocruz Amazônia
O Instituto Leônidas & Maria Deane foi oficialmente criado através da Portaria Fiocruz nº 195/94, de 19 de agosto de 1994, como Escritório Técnico da Amazônia (ETA-Fiocruz). Antes da portaria de origem, muitas articulações já haviam ocorrido para a implantação de uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz na Amazônia, dentre essas podemos destacar a assinatura de um convênio entre a Fiocruz, o Governo do Estado do Amazonas e a Universidade do Amazonas, em 21 de janeiro de 1994, e a realização do Seminário Interdisciplinar “Os Caminhos da Pesquisa em Sócio-Biodiversidade na Amazônia: Contribuição da Ciência e da Tecnologia para a Construção de um Novo Espaço Regional”, ocorrido em Manaus no período de 25 a 27 de abril de 1994.
Na apresentação do Relatório Final do Seminário Interdisciplinar “Os Caminhos da Pesquisa em Sócio-Biodiversidade na Amazônia: Contribuição da Ciência e da Tecnologia para a Construção de um Novo Espaço Regional”, o então presidente da FIOCRUZ, Dr. Carlos Médicis Morel, aponta que o Seminário representou “o lançamento oficial do projeto de implantação de um futuro Centro de Pesquisas da FIOCRUZ em Manaus que será denominado Centro de Pesquisas Leônidas e Maria Deane “.
Inicialmente, a unidade da Fiocruz na Amazônia foi instalada nas dependências do Instituto de Medicina Tropical de Manaus, e sua direção ficou a cargo do médico Marcus Barros.
Em novembro de 1999, após uma decisão unânime do Congresso Interno da Fiocruz, o ETA tornou-se uma unidade técnico-científica. Em 2001, passou a ser chamado, oficialmente, de Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (CPqLMD), assumindo o papel de uma unidade autônoma na Amazônia, que busca consolidar o papel que a Fiocruz representa no País. Para comandar a nova unidade, foi designado como diretor o médico e pesquisador Luciano Toledo, que prosseguiu com as negociações referentes à cessão do patrimônio físico junto à presidência da Fundação, e a adequação do espaço para o exercício das atividades de ensino e pesquisa.
Com a finalidade de projetar o nome da unidade, o então vice-diretor, Sérgio Luiz Bessa Luz, viabilizou em 1999, em parceria com a Organização Mundial da Saúde/TDR/Fundação MacArthur, o primeiro curso internacional “Biologia de vetores transmissores de doenças”, atividade que reuniu professores e alunos de todos os continentes.
Para reafirmar os compromissos da instituição com a Amazônia, em 2001, o então presidente da Fiocruz, Paulo Merchiori Buss, abriu o primeiro curso de Mestrado em Saúde Pública realizado na Amazônia Ocidental, em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz).
A sede do CPqLMD foi inaugurada em 2002, época do primeiro concurso público para preenchimento de vagas que viabilizaram condições básicas para o cumprimento da missão de produzir e desenvolver conhecimento científico, tecnológico e de inovação em saúde na Amazônia.
Em reconhecimento a uma vida dedicada à saúde pública no Brasil, principalmente na Amazônia, a Fiocruz homenageou os cientistas Leônidas de Mello Deane e Maria José Von Paumgartten Deane, dando à sua unidade na Amazônia, o nome do casal.
A trajetória de Leônidas e Maria na ciência teve início na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, onde se formaram. Ambos ocuparam diversos cargos em instituições renomadas do Brasil e do mundo, entre elas o Instituto Oswaldo Cruz (IOC).
Leônidas aprofundou seus estudos em microbiologia, e Maria estudou endemia. A parasitologia entrou na vida dos dois por meio da atuação no Instituto de Patologia Experimental do Norte, atual Instituto Evandro Chagas.
Participaram do Serviço de Malária do Nordeste e fizeram cursos nas universidades de Johns Hopkins e de Michigan, nos Estados Unidos. Com títulos de mestres em Saúde Pública, voltaram para a Amazônia, onde trabalharam no Serviço Especial da Saúde Pública.
O casal não media esforços para o combate às endemias, tornando-se fundamentais no combate à malária, filariose, leishmaniose visceral, verminose e leptospirose, viajando por todo Norte e Nordeste para ministrar palestras e orientar a população sobre saneamento básico.
Considerado um dos maiores malariologistas do mundo, Leônidas Deane confirmou, em 1967, a reintrodução no Brasil do vetor da febre amarela e da dengue, o mosquito Aedes aegypti. Deane percorreu o País em campanhas de controle da malária e realizou a primeira experiência de campo sobre o controle desta moléstia pela administração exclusiva de uma droga. Participou ainda da campanha pela erradicação do Anopheles gambiae, um dos mosquitos transmissores da malária, no Nordeste.
Maria Deane foi uma das mais destacadas protozoologistas brasileiras e publicou mais de 150 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros. Sobre a doença de Chagas desenvolveu importantes estudos a respeito do agente desta moléstia: Trypanosoma cruzi.
A FIOCRUZ está na Amazônia há mais de um século. A presença dos pesquisadores a essa época, se dava em geral, por demanda das grandes endemias que impediam a implantação dos “grandes projetos”. Assim foi com a malária e a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o extrativismo da borracha nos chamados “rios borracheiros”, principalmente aqueles da margem direita do Solimões/Amazonas. Os pesquisadores/sanitaristas comandavam essas “expedições” à tais projetos e, fazendo o diagnóstico da situação, traçavam normas e ações para que os projetos avançassem, ao controlarem essas endemias. Assim fizeram Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Afrânio Peixoto (1).
Após essa fase do apogeu, o declínio da atividade econômica gerou marasmo e o consequente esvaziamento e até mesmo a depopulação da Amazônia. A segunda guerra mundial fez ressurgir a importância da borracha, após a ocupação dos seringais da Ásia (maiores produtores de borracha à época), pelas “Repúblicas do Eixo”. As grandes endemias, como a malária, ressurgiram e mais uma vez foram obstáculos ao agora estratégico extrativismo do látex.
Todas as vezes que o governo brasileiro avançou na Amazônia em busca de explorá-la, sem o devido planejamento e cuidado com o meio ambiente, a resposta foi sempre o ressurgimento das grandes endemias.
Essa apertada síntese da história mostra também o interesse de alguns pesquisadores, ao tentar dar respostas, isoladamente, às questões de saúde da região.
Dá-se destaque ao casal Leônidas e Maria Deane, Evandro Chagas, José Rodrigues Coura e outros.
Na década de 70, pesquisadores/professores da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP, dentre os quais destacamos Paulo Sabroza e Luciano Toledo, iniciaram na própria ENSP cursos de Pós-Graduação em Saúde publica, com o objetivo de formar recursos humanos para a Amazônia, em particular. Tais cursos foram descentralizados ao longo dos anos, para diferentes capitais da região, formando significativa massa crítica, fixada na própria Amazônia.
Mudança de Estratégia
Não mais a vinda para a Amazônia para tentar desvendar o “mistério da Esfinge”, mas a partir de seus próprios recursos humanos procurar ir às raízes de seus problemas de saúde, articulando com instituições locais as soluções para os grandes desafios.
Nesse contexto, a FIOCRUZ, ainda nos meados da década de 70, tenta, por meio da administração Sérgio Arouca, se fixar na Amazônia, pelo Estado do Amapá. O projeto da extração de manganês já havia se esgotado na “Serra do Navio” e o resultado era uma área física a ser utilizada para pesquisas e ações de saúde pública. Com a visita ao local por uma equipe da direção da FIOCRUZ à época, concluiu-se que apesar da oferta vantajosa, ali não parecia ser o espaço ideal para a chegada definitiva da FIOCRUZ à Amazônia, antes de tudo, pelo isolamento geográfico do projeto. O espaço mais se assemelhava a uma “bolha sanitária”. Não se prestava para um olhar à toda região.
A mesma equipe passou por Belém, mas a receptividade não foi boa como se esperava e já na década de 90, na administração do Dr. Carlos Morel, a FIOCRUZ foi chegando ao coração da Amazônia, Manaus.
A FIOCRUZ vem para ficar
Foi então que, com muita expectativa e esperança, ao encerrar meu mandato de Reitor da Universidade Federal do Amazonas atendi ao convite do Dr. Morel, então Presidente da Fundação Oswaldo Cruz, para implantarmos, aqui em Manaus, o Escritório Técnico Regional da Fundação Oswaldo Cruz, embrião do Centro de Pesquisas Leônidas & Maria Deane. Aí se dá a acolhida da ideia do projeto definitivo da FIOCRUZ na Amazônia.
O primeiro passo se dá com a acolhida física inicial do projeto, quando o então Instituto de Medicina Tropical de Manaus – o IMTM, cede uma e depois duas de suas salas para a instalação do escritório. Faltavam as peças principais do futuro Centro – os recursos humanos.
Conseguiu-se as primeiras bolsas de estudo para trazer os pioneiros Carlos, Marizete, Jeruza, Rita, Muriel, dentre outros e alguns dos quais, posteriormente por meio de concurso público, se transformaram nos primeiros servidores/pesquisadores do Centro. Luciano Toledo, presente desde as primeiras horas, sempre à frente de grande parte dos projetos aqui empreendidos.
O Escritório tinha como objetivo principal planejar e implantar uma Unidade Técnico-Científico da FIOCRUZ em Manaus. Preferimos que esse trabalho fosse o mais coletivo possível. Sob a liderança, inteligência e estratégia do Dr. Carlos Morel, reunimos em abril de 1994 cerca de cento e trinta (130) pessoas no Tropica Hotel Manaus, para discutir o papel, o compromisso e os objetivos do futuro do Centro.
“Os caminhos da pesquisa em Sócio-biodiversidade na Amazônia: A contribuição da ciência e da tecnologia para a construção de um novo espaço regional” (2) foi o tema do seminário interdisciplinar que significou o lançamento oficial do projeto de implantação do Centro, com a participação de toda a direção da FIOCRUZ (Conselho Diretor), do Governador do Estado e parte de seu secretariado, do Reitor da Universidade Federal do Amazonas, pesquisadores do Amazonas (Universidade Federal, INPA, Embrapa) pesquisadores do Pará (Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará e Embrapa).
Como resultado, esse grande evento gerou a primeira publicação do e para o Escritório/Centro, uma parceria da Fundação Oswaldo Cruz, Governo do Estado do Amazonas, Universidade Federal do Amazonas e Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. Ali estão publicadas as sínteses das mesas-redondas e painéis, apontadas algumas recomendações do Grupo Institucional e publicado o Relatório Consolidado dos Grupos de Trabalho sobre Saúde e Biodiversidade e Saúde e Sociodiversidade, formulando Diretrizes e Princípios, definindo as Atividades de Pesquisa, de Ensino e Cooperação Técnica e Interinstitucional. Com ele, “queremos ampliar ainda mais a discussão dos rumos, metas, objetivos e estratégias que nortearão nossas atividades na região amazônica”, ressalta o então presidente da FIOCRUZ, Carlos Morel.
A partir de então, buscou-se empreender e desenvolver projetos dos quais ressalto o que resultou na publicação do atlas “Espaço e Doença – um olhar sobre a Amazônia” (3). Em parceria com a Casa de Oswaldo Cruz realizaram-se duas expedições multidisciplinares, uma pelo Rio Negro e outra pelo Purus, no programa “Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas – da borracha à Biodiversidade (4)” com o objetivo de fazer um estudo comparativo das condições de saúde e ambientais da época da borracha com os dias atuais, resultando em publicação com o mesmo nome.
O Escritório crescia e buscava um espaço físico adequado ao mesmo tempo em que o IMTM solicitava suas salas para suprir suas necessidades de espaço físico. A FIOCRUZ chegou a sonhar com construção de sua sede em uma extensão de terreno do próprio IMTM (hoje estacionamento da Instituição). Com o aval do então Governador do Estado e do Secretário de Saúde, o presidente Carlos Morel chegou a fazer, com a aprovação do Conselho Diretor da FIOCRUZ, um destaque orçamentário de cinco milhões de reais, para a construção da sede. Articulações locais junto à Assembleia Legislativa do Amazonas, que deveria aprovar o projeto de construção, impediram sua aprovação. O projeto não avançou e então fez migrar o Escritório para dois outros espaços físicos. Um deles uma casa alugada pela própria FIOCRUZ na Avenida Darcy Vargas e em seguida, um espaço cedido pelo então Diretor da FUNASA, Evandro Melo, em sua sede no bairro da Glória. Nesse período foram ampliados esforços para a criação do Centro de Pesquisas e, de pronto, apresentou- se em consenso, o nome de Leônidas e Maria Deane – um casal de pesquisadores que, originários da Amazônia (Pará), trabalharam por muitos anos na FIOCRUZ e deram suas vidas ao controle das endemias na Amazônia.
Mas o Centro precisava de seu espaço próprio e nessa busca encontramos um prédio em construção inacabada e paralisada há alguns anos, na rua Teresina, em Adrianópolis, bairro nobre da cidade, onde seria construído um alojamento para visitantes a serviço do Ministério da Saúde. Imediatamente pensamos que seria o espaço ideal para o futuro Centro de Pesquisa “Leônidas e Maria Deane”.
Fruto do esforço e determinação do Dr. Luciano Toledo, que fez, com êxito, as tratativas junto ao Serviço de Patrimônio da União – SPU, o prédio foi então transferido em definitivo para o patrimônio da FIOCRUZ.
Passados 20 anos do lançamento oficial da FIOCRUZ na Amazônia, ainda está viva e atual a citação do professor da Unicamp, Foot Hardman, participante do Seminário de fundação do Centro, quando diz: “o maior desafio de todos nós será entretanto, o de conseguir aliar capacidades e trabalho na direção de permitir o retorno às populações da região dos resultados que esta contribuição da ciência e da tecnologia para a construção de um novo regional puder alcançar, com efetivas reaproximações do conhecimento pretensamente inovador que se puder forjar”.
Estava criado, em definitivo, o Centro de Pesquisas “Leônidas e Maria Deane”, com a contribuição coletiva de parte muito expressiva da inteligência local e nacional.
Referências Bibliográficas:
1 – Oswaldo Cruz, Carlos Chagas Afrânio Peixoto – sobre o saneamento da Amazônia. Editora Philippe Daou, Manaus 1970.
2 – Seminário Interdisciplinar “Os caminhos da Pesquisa em Sócio-Biodiversidade na Amazônia: a contribuição da ciência e da tecnologia para a construção de um novo espaço regional”. Fundação Oswaldo Cruz – Manaus, abril de 1994.
3 – Espaço e Doença – Um olhar sobre o Amazonas. Organizadores: Luiza Basília Iñiguez Rojas, Luciano Medeiros de Toledo. Fundação Oswaldo Cruz – RJ 1997.
4 – Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas – Da borracha a biodiversidade. Escritório Técnico da Fiocruz em Manaus e Casa de Oswaldo Cruz.