Fiocruz Amazônia avalia impactos da pandemia sobre a violência no primeiro seminário do Programa de Articulação Intersetorial Violência e Saúde da Fiocruz
O Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) deu o pontapé inicial às atividades presenciais do Programa Institucional de Articulação Intersetorial Violência e Saúde da Fiocruz, com a realização do primeiro Seminário Violência e Saúde em Tempos de Emergências Sanitárias Globais, que reuniu na última quarta-feira, 19/10, na sede da unidade, em Manaus, representantes de diversos setores da sociedade civil local e a coordenação do PI-AIVS. Em seu pronunciamento on line, na mesa de abertura, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, saudou os participantes e agradeceu ao ILMD pela iniciativa, reforçando o compromisso da Fiocruz com a agenda do impacto da violência e a importância de realização de seminários e simpósios sobre o tema em todas as regiões brasileiras.
“Observamos que a pandemia de Covid-19, além do dramático impacto sanitário, aprofundou desigualdades e exacerbou as diferentes formas de violência. Em 2020, em seu primeiro ano, vimos por exemplo que a violência contra a mulher e a criança no mundo, aumentou em 30%, tornando mais distante os objetivos centrais da Agenda 2030”, afirmou a presidente da Fiocruz, destacando a importância do seminário na abordagem às especificidades das várias formas de violência na região amazônica, em diferentes contextos (urbano, no campo, contra populações tradicionais e povos indígenas).
Nísia Trindade ressaltou que, com a previsão de que emergências sanitárias serão cada vez mais frequentes, será necessário antecipar seus efeitos, inclusive no tocante ao aumento nos índices de violência. “Dessa forma, torna-se importante que os diferentes atores se reúnam, gestores, pesquisadores, estudantes, movimentos sociais e órgãos de controle para discutir as origens das várias formas de violência e as possíveis formas de enfrentá-la. Os seminários têm um papel essencial em fortalecer a articulação institucional em violência e saúde na Fiocruz e na ampla rede em torno dessa agenda”, reforçou.
O seminário na Fiocruz Amazônia foi coordenado localmente pelo epidemiologista Jesem Orellana. Para ele, a oportunidade de fortalecer a articulação institucional em violência e saúde na Fiocruz foi o principal ganho da iniciativa. “O seminário superou as expectativas em relação à finalidade principal que era levantar e debater diferentes expressões da violência na Amazônia brasileira em tempos de complexas e sequenciais emergências sanitárias globais. Esperamos ampliar colaborações local e regionalmente, visando fortalecer nossa capacidade de resposta aos inúmeros desafios da violência estrutural, interpessoal e autoprovocada, pois diversos tipos de violência seguem sendo negligenciados e se agravando no norte do país, como a violência contra a criança/adolescente, violência de gênero, homicida, suicida, bem como os conflitos que envolvem a ocupação e a retomada de territórios, além do amplo leque de crimes ambientais com impactos sobre a violência e saúde ”, explica.
Conseguimos reunir um coletivo de especialistas formado por academia, sociedade civil organizada, movimentos sociais e órgãos governamentais e não-governamentais, além de estudantes de pós-graduação, entre outros atores, em torno da pauta. “São demandas que cada vez mais exigem respostas e esforços intersetoriais à sua mitigação, como também uma dinâmica e abrangente compreensão dos seus principais determinantes, sejam eles sanitários, sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais”, avaliou.
A diretora do ILMD/Fiocruz Amazônia, Adele Benzaken, lembrou indicadores importantes sobre a situação da violência. Segundo ela, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), na América Latina e no Caribe, uma em cada três mulheres experimentou violência física ou sexual durante suas vidas. “Ao mesmo tempo inexistem respostas efetivas das autoridades governamentais para a escalada da violência, que inclui a mais extrema forma, o feminicídio”, ressaltou, enumerando outras formas de violência na região amazônica que aprofundam a produção de desigualdades sociais. Para a diretora, existe uma tendência de interiorização da violência que preocupa, pois acompanha as frentes de desmatamento e da intensificação de atividades ilegais, atingindo um número progressivo de municípios. “A violência está presente além das regiões de fronteira, já atingiu a periferia das pequenas e grandes cidades da Região Norte”, observou.
Presente ao evento, a coordenadora do PIAIVS, Simone Assis, adianta que a intenção do grupo é realizar seminários semelhantes ao de Manaus em outras regiões do País, onde as unidades da Fiocruz possam assumir o papel de elemento articulador local, trabalhando junto com secretarias estaduais e municipais, além do movimento civil organizado descentralizado. “Manaus tem estado presente desde o início do programa, em 2016, e é a primeira unidade a realizar um evento nesses moldes, preocupada em aglutinar forças a partir da vivência das diferentes formas de violência na região”, explicou.
Para Simone Assis, o papel da Fiocruz é o de propor estratégias articuladas mas a autonomia é local. “Importante que os pesquisadores fomentem forças e pensamentos, proporcionando trocas entre nós, mas fomentando a ideia de Amazônia Legal como um todo. O contexto da violência muda e preciso aprofundar a análise de cada contexto. Neste sentido a epidemiologia é um legado fundamental. Dados feitos na Fiocruz sobre violência, acidentes, questões de saúde mental associadas a violências, são melhores entendidos quando se conhece o contexto social, aí entra o olhar da sociologia e da antropologia”, explicou. Até então, os encontros do Programa Institucional de Articulação Intersetorial Violência e Saúde vinham acontecendo à distância com todos os representantes das unidades da Fiocruz.
O Seminário Violência e Saúde em Tempos de Emergências Sanitárias Globais tratou, entre outros temas, das relações entre a ocorrência de homicídios e suicídios e o dramático desenvolvimento da epidemia de COVID-19 na região; Possíveis impactos da flexibilização do Estatuto do Desarmamento; Repercussões da violência urbana sobre a mortalidade por homicídio de mulheres e a violência de gênero; Agravamento da violência no campo, com destaque para os diferentes tipos de vitimização em desfavor de comunidades tradicionais, indígenas e agricultores familiares. Pela manhã, os painéis contaram com as presenças do professor e pesquisador da Universidade do Estado do Amazonas André Luiz Machado das Neves, da titular do Núcleo de Defensoria da Infância e Juventude Juliana Linhares de Aguiar Lopes, da docente e pesquisadora da UEA Lihsieh Marrero, e Juliana Marques, presidente do Instituto Mana de empoderamento feminino.
À tarde, os trabalhos foram iniciados com um relato de experiência da Advogada Natália Demes, acerca das linhas de atuação da ONG “Humaniza Coletivo Feminista” de Manaus, acerca da violência institucional contra mulheres gestantes e parturientes no Amazonas. Em seguida, as discussões se concentraram nos temas Suicídios e homicídios no Norte do País, abordado pelo epidemiologista Jesen Orellana; Conflitos Agrários e pelo Uso da Terra na Amazônia, com a jornalista Elaíze Farias, editora de Conteúdo da Agência Amazônia Real; Violência no campo na Amazônia: estatísticas recentes e perspectivas, por Patrícia Rocha Chaves, consultora da Comissão Pastoral da Terra, e Enfraquecimento da governança socioambiental e desmatamento na Amazônia, Terine Husek Coelho.