Parteiras tradicionais elegem nova diretoria de associação que reúne categoria no Estado e validam guia que as orientará sobre a atividade

A Associação Algodão Roxo, que reúne as parteiras tradicionais do Estado do Amazonas, elegeu a nova diretoria da entidade para um mandato de dois anos. A eleição ocorreu na última sexta-feira, 22/04, durante o Encontro Norte da Rede Unida, na sede do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), com a participação de 22 parteiras de diferentes regiões do Estado. A nova diretoria é composta por representantes dos municípios de Tefé, Tabatinga, Parintins, Maués, Itacoatiara, Maraã e Manaus. Criada em 2018, a Algodão Roxo tem como finalidade promover a mobilização das parteiras em atividade no Estado e fortalecer a luta pela valorização do ofício e da tradição do parto humanizado – praticado há séculos por essas mulheres –, buscando  apoio e reconhecimento por parte do poder público.

A estimativa é de que existam no Estado do Amazonas, cerca de 1,4 mil parteiras em atuação. Destas, aproximadamente 500 já foram identificadas e estão sendo cadastradas pela associação. O Encontro de Parteiras Tradicionais do Amazonas acontece pela segunda vez desde a fundação da associação, com promoção da Rede Unida, por meio de parceria com a Fiocruz Amazônia, Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM), Instituto Mamirauá, Distrito Sanitário Especial Indígena (DISEI) Manaus e Alto Solimões e apoio das prefeituras municipais. “Já existe uma tradição dentro do Encontro da Rede Unida de realizar o encontro das parteiras, porque esse é o perfil da associação, de sempre apoiar os grupos de movimentos sociais”, explica o pesquisador da Fiocruz Amazônia, Júlio Schweickardt, que coordenou os eventos.

Além de elegerem a nova diretoria da entidade, as parteiras lançaram a exposição Mapas do Cuidado das Parteiras Tradicionais, composta por 38 desenhos feitos por elas próprias mostrando a visão de cada uma de suas comunidades. Outro momento importante foi o da validação do conteúdo do Guia das Parteiras Tradicionais, que deverá ser lançado ainda este ano pela Editora Rede Unida. Por meio de dinâmicas, elas puderam contribuir com a construção do conteúdo do material que será impresso e distribuído gratuitamente.  “O guia será um material adaptado à realidade amazônica para ser usado por elas próprias servindo como fonte de consulta para as parteiras e as equipes de saúde nos seus territórios”, salienta o pesquisador, que é chefe do Laboratório de Pesquisa em História e Ciências da Saúde na Amazônia (Lahpsa), do ILMD/ Fiocruz Amazônia..

Julio Schweickardt coordena o Projeto Redes Vivas e Práticas Populares de Saúde: Conhecimento Tradicional das Parteiras e a Educação Permanente em Saúde para o Fortalecimento da Rede de Atenção à Saúde à Mulher no Estado do Amazonas, executado desde 2017 pelo Lahpsa, em parceria com o Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM), e financiado pelo Ministério da Saúde. “As parteiras foram ganhando espaço, crescendo e conquistando seus lugares dentro da associação. Nesses momentos, a Fiocruz é sempre citada como instituição parceira e vai continuar sendo parceira, representando nosso papel enquanto instituição pública e comprometida com os povos da floresta”, observa.

Segundo Schweickardt, o trabalho das parteiras tem importância fundamental na área da saúde. “Elas são fundamentais para a qualidade da saúde da mulher, diminuição das mortalidades infantil, materna, neonatal, principalmente nos territórios indígenas. Em alguns casos, como o do povo Kambeba, as parteiras são procuradas pelas mulheres primeiro do que os profissionais da rede de atenção básica. A luta atual visa combater a resistência que ainda existe por parte de profissionais de saúde em reconhecer o papel das profissionais. Em Beruri, antes de procurar o serviço para dar início ao pré-natal, as mulheres indígenas são acolhidas e recebem orientação das parteiras da comunidade.

O guia deverá ter aproximadamente 70 páginas, reunindo informações referentes aos procedimentos, direitos e deveres das parteiras. “Estamos chamando de guia porque não queremos que ele seja um manual e sim um espaço de troca de conhecimentos, de aprendizagem”, afirma a enfermeira Fabiana Mânica Martins, que conduziu a dinâmica da validação durante o encontro. Segundo ela, a publicação terá uma linguagem acessível sem perder o caráter científico, trazendo o olhar das parteiras sobre o corpo da mulher e as questões fisiológicas envolvidas no processo do parto. “São diferentes culturas e diferentes formas de ver o nascimento. Elas nos deram o feedback, sejam parteiras ribeirinhas, sejam parteiras indígenas, de como se dá o processo de trazer uma vida ao mundo e suas intercorrências nos diferentes territórios em que vivem”, explica Fabiana, que é doutora em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Amazonas.

Julio Schweickardt ressalta que o desafio maior hoje é o de cadastrar as parteiras e vinculá-las aos serviços de saúde municipais. “O cadastro significa conhecê-las e aprimorar cada vez mais a busca por políticas públicas que as incluam no processo de melhoria da qualidade da atenção à saúde da mulher”, comenta. Parteira desde os 17 anos, Maria do Perpétuo Socorro da Silva, 46, eleita presidente da Algodão Roxo, lembra que a luta maior das parteiras é pela regulamentação do ofício de partejar. “As parteiras não eram reconhecidas e resolvemos criar a associação para ganhar força e sermos reconhecidas e termos nosso ofício valorizado porque fazemos nosso trabalho em comunidades distantes das cidades”, afirmou.

PATRIMÔNIO IMATERIAL

Durante o encontro, que ocorreu de 20 a 22/04, as parteiras receberam também informes sobre o processo do pedido de registro dos saberes e práticas das parteiras tradicionais como patrimônio cultural do Brasil de natureza imaterial, O pedido foi feito junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2012 por entidades ligadas às parteiras do Estado de Pernambuco. “O processo na época não foi validado e em 2018 foi reaberto, com um novo parecer favorável da Câmara do Patrimônio Imaterial do Iphan, que faz a avaliação da pertinência do pedido de registro, obtendo novo parecer, dessa vez aprovado”, explicou a antropóloga Elaine Miller,   professora do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), presente ao encontro.

Um dossiê com abrangência nacional foi entregue no final do ano passado ao Iphan para instrução do processo. O trabalho foi realizado por uma equipe de pesquisadores da UFPE. “O registro do ofício de parteira tradicional como patrimônio cultural do Brasil de natureza imaterial, do livro de saberes de registro do patrimônio imaterial, terá um impacto importante de fomento e valorização do oficio pois é uma forma de reconhecimento, gera visibilidade e a possibilidade de projetos de salvaguarda, pela importância do Iphan como órgão nacional presente em todo o País”, frisou Elaine.