Pesquisador da Fiocruz Amazônia aponta fatores sociais como importante causa para o excesso de suicídios no Brasil

O pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, apontou fatores sociais como as principais causas para o excesso de suicídios no Brasil, notadamente jovens indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste, e mulheres de 30-59 anos, nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. O epidemiologista foi um dos palestrantes do 3º Simpósio Prevenção é a Solução, realizado na última sexta-feira, 29/09, pela Frente Parlamentar de Cuidados e Prevenção à Depressão, Suicídio e Drogas, da Assembleia Legislativa do Amazonas, reunindo especialistas e representantes de instituições que lidam com a Atenção à Saúde Mental no Estado para uma reflexão acerca do tema. O evento fechou a programação alusiva ao Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio. Jesem é um dos autores de dois artigos publicados recentemente em revistas científicas internacionais, chamando atenção para as altas taxas de mortalidade por suicídio no Brasil, nos últimos 20 anos, e nos dois primeiros anos da pandemia de COVID-19.

O pesquisador fez um alerta para o número de suicídios do Amazonas. “Não podemos reduzir a problemática do suicídio a uma questão psiquiátrica/psicológica, mas sim um problema com determinantes sociais, econômicos e culturais mais complexo. O artigo sobre suicídio indígena no Brasil nos mostra que o Amazonas é um dos campeões do suicídio indígena e o único Estado do País que ao longo dos 21 anos que analisamos, apresentou tendência crescente, ou seja, aumento do risco de suicídio indígena”, afirmou. Segundo Orellana, um resultado que preocupa e que precisa ser visto pelo Poder Público como um problema social e de saúde pública. “Estamos aqui para trazer um pouco de reflexão a partir do que geramos de conhecimento e não de achismo e impressões muitas vezes moldadas por preconceitos geracionais”, explicou.

Jesem ressaltou a importância do papel da Fiocruz enquanto instituição de pesquisa a serviço da Saúde Pública e lembrou que os povos indígenas são grupos que precisam de atenção e respostas efetivas. “É preciso que o Poder Público crie condições de atender não só a determinantes sociais, mas também questões relacionadas a território, posse, uso da terra, discriminação, muito comum em relação aos indígenas, em regiões como a de Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira, onde temos altas taxas de suicídio”, afirma. Nessas regiões, a população, mesmo sendo descendente direta de indígenas, contribui para que os parentes se sintam mal diante da sua condição étnica.

“Ao mesmo tempo em que ajudam no processo de autoafirmação, as características socioculturais dos indígenas os levam à exclusão e fazem com que muitas vezes não sejam inseridos no sistema educacional formal e no mercado de trabalho, o que os torna vulneráveis a problemas como o uso abusivo de drogas lícitas, como o álcool, e drogas ilícitas, como crack e cocaína, que acabam tornando esses indivíduos mais vulneráveis ao suicídio”, salientou. Para o pesquisador, fica difícil imaginar essas situações sendo equacionadas apenas com medicamentos e terapias, sem discutir o bem viver dessas pessoas.

O Amazonas e o Mato Grosso do Sul apresentam as maiores taxas de mortalidade por suicídio indígena no Planeta. “O Poder Público em geral precisa dar condições para que a sociedade não sucumba como o Amazonas sucumbiu nesses dois anos de pandemia de Covid-19, com uma das piores redes médico-hospitalares do país, com um dos menores números de profissionais qualificados com residência em terapia intensiva, para dar um exemplo entre dezenas de tantos outros. Precisamos entender que precisamos de bem-estar social para promover saúde. Discutir o suicídio de forma franca, aberta e sincera é falar dos determinantes sociais dessas iniquidades que estamos acostumados a viver no Amazonas”, ponderou.

O pesquisador lembrou que possíveis estratégias de solução para o problema passariam necessariamente pela adoção de políticas sociais e econômicas voltadas à melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. “Como promover saúde numa cidade como Manaus, que possui um dos maiores números de trabalhadores informais do país? Onde a maioria da classe trabalhadora é escravizada e isso gera sofrimento, faz o pai de família se afundar no álcool e outras drogas, o torna agressivo, gerando um sofrimento existencial elevado”, questionou.

SUBNOTIFICAÇÃO NO MUNDO

O suicídio não é um problema exclusivo dos indígenas, nem do estado do Amazonas. Orellana descreve a problemática como sendo mundial e com pouca atenção das autoridades. “Para se ter uma ideia da quantidade de vítimas que o suicídio provoca anualmente, em 2016 tivemos 800 mil suicídios em todo o Mundo. O suicídio mata mais que malária e câncer de mama, ainda assim não conta com o empenho do Estado em instituir políticas públicas voltadas à saúde mental”, frisou. Segundo o especialista, não por acaso, as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, incluíram reduzir taxa de suicídio. “Esse painel sabe da importância desse indicador, sabe que um país com uma taxa de suicídio alta está doente, e que não é só COVID, diabetes, homicídios e drogas que matam temos muitos problemas decorrentes desses problemas sociais que tornam o suicídio um dos maiores desafios da saúde mundial”, pontuou.

A subnotificação de suicídios é outro agravante. “As notificações oficiais de suicídio desconsideram uma parte dessas fatalidades, seja por erros de classificação na causa de morte dessas vítimas ou, no caso de indígenas, simplesmente porque a informação deixa de ser repassada às secretarias ou Ministério da Saúde. Portanto, o número de suicídios é muito maior. O que aparece no sistema de notificações oficiais também não reflete adequadamente as tentativas de suicídio. Estima-se que o número de tentativas é  20 vezes maior do que o de suicídios. Lamentavelmente, não temos estudos no Amazonas sobre ideação e tentativa de suicídio com representatividade populacional. Precisamos avançar em relação ao conhecimento da quantidade de pessoas que estão em risco eminente de cometer suicídio”, finalizou, destacando a importância do envolvimento da sociedade como um todo na discussão.

ILMD Fiocruz Amazônia, por Júlio Pedrosa 
Fotos: Júlio Pedrosa