Fiocruz Amazônia integra rede para investigação de mordeduras tropicais
O Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) integra a Rede de Iniciativa Amazônica para Investigação de Mordeduras Tropicais, um grupo internacional formado por especialistas e pesquisadores que trabalham com a questão das mordeduras tropicais e as diferentes formas de contágio, visando estabelecer parâmetros que permitam identificar o perfil epidemiológico dos casos de mordeduras em humanos e animais em determinada região, bem como prevenir possíveis ocorrências de surtos causados por zoonoses emergentes que possam vir a ser transmitidas pela mordedura de animais como primatas e, sobretudo, morcegos que estejam contaminados com vírus e venham a transmitir para as pessoas. A médica veterinária e pesquisadora do ILMD Alessandra Nava representa a Fiocruz.
Em dezembro passado, o grupo se reuniu pela primeira vez no Brasil para intercâmbio de experiências durante o Encontro Internacional da Iniciativa Amazônica para Investigação de Mordeduras Tropicais – Prevenção de Zoonoses Emergentes, ocorrido na Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, reunindo especialistas que integram a rede, entre os quais a professora Isis Abel Bezerra, da Universidade Federal do Pará (UFPA); o médico epidemiologista peruano Sérgio Recuenco, professor da Faculdade de Medicina de San Fernando; Marco Vigilato, atual chefe de Zoonoses da Organização Panamericana da Saúde (OPAS), e Daniel Streicker, professor da Escola de Biodiversidade, Saúde Única e Medicina Veterinária, da Universidade de Glasgow, na Escócia.
Alessandra Nava explica que o evento foi aberto e tratou sobre patógenos emergentes fazendo a conexão com animais silvestres e mudanças ambientais. Ela destaca que a mordedura é uma forma de contágio e o patógeno mais emblemático é o da Raiva, zoonose transmitida por um vírus mortal tanto para o homem quanto para o animal. “Felizmente, trata-se de um patógeno de alta letalidade mas baixa prevalência nos reservatórios”, explica a pesquisadora.
Nava lembra que o monitoramento das mordeduras de morcegos hematófago na população humana é realizado no Amazonas pela Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), da Secretaria de Estado da Saúde (SES), e a análise das ocorrências relacionando a variáveis ambientais é feita pela Fiocruz Amazônia. “A abordagem da pesquisa da epidemiologia da raiva pela equipe da Fiocruz Amazônia envolver também um diagnóstico do acolhimento desse paciente espoliado, como o serviço de saúde lida com a situação, se os pacientes mordidos estão procurando fazer a pós-exposição de forma adequada, bem como o perfil da população que sofre as mordeduras pelo morcego hematófago, o que é fundamental para podermos fazer nossas projeções epidemiológicas”, comentou.
No ILMD/Fiocruz Amazônia, o trabalho de investigação é desenvolvido por Alessandra Nava juntamente com o biólogo e pesquisador José Joaquin Carvajal e os alunos do Programa de Pós-Graduação Condições de Vida e Situações na Amazônia. “Fazemos a investigação das mordeduras no Amazonas, com uma série histórica de registro de mordeduras em humanos e tentando fazer as relações com as variáveis sociais e ambientais para poder no futuro construir um modelo preditivo de locais com maior possibilidade de surto de raiva em humanos”, explica Alessandra, que atualmente desenvolve projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), e realizado em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), de monitoramento de patógenos em animais silvestres, incluindo o SARS-CoV-2.
“Em série histórica de sete anos de monitoramento, temos aproximadamente 2,4 mil registros de mordeduras em humanos, mas a casuística de raiva em pessoas é muito baixa, embora saibamos que é uma roleta russa”, admitiu Nava. A pesquisadora adianta que o próximo encontro da rede deverá acontecer em 2024, na sede da Fiocruz Amazônia, em Manaus. “Nosso objetivo num futuro próximo é o de criar o Laboratório de Raiva no ILMD/Fiocruz Amazônia, com apoio e credenciamento do Ministério da Saúde, para a realização de diagnósticos de sorologia e vigilância genômica, contando com o apoio da FVS no encaminhamento de amostras. É de suma importância entender, por exemplo, se a vacina funciona e a possível descoberta de variantes do vírus cada vez que se encontra um caso positivo de raiva”, explicou.
VARIÁVEL AMBIENTAL
Segundo a veterinária, qualquer mamífero pode transmitir a raiva. “Animais domésticos, como cachorro e gato, possuem uma boa cobertura vacinal, o que não significa dizer que não possam transmitir a doença. Nunca devemos relaxar em relação a isso. No Nordeste, as últimas ocorrência de casos de raiva em humanos, por exemplo, estão ligadas a primatas, daí a importância de investigação da epidemiologia da doença em diferentes cenários, entendendo as diferentes paisagens e quando e como elas se tornam pertinentes para o surto de raiva”, disse. Um dos cenários propícios, segundo a pesquisadora, é o do desmatamento para colocação de gado. “Em outros países, foi possível mostrar que há uma relação entre o desmatamento e a migração de morcegos hematófagos. O morcego migra e acaba espoliando o gado e as pessoas, tornando-se a paisagem do desmatamento pertinente para o surto de raiva”, alertou.
ILMD/Fiocruz Amazônia, Por Júlio Pedrosa
Fotos: Júlio Pedrosa e Divulgação/Fiocruz Amazônia