Fiocruz Amazônia apresenta resultados do projeto de fortalecimento da resposta à COVID-19 em territórios indígenas na Amazônia brasileira
Financiado pela União Européia, por meio do European Civil Protection and Humanitarian Aid Operation (ECHO), o Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) apresentou ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) um balanço dos resultados do Projeto Saúde dos Povos Indígenas da Amazônia, de fortalecimento da resposta da pandemia de COVID-19 em territórios indígenas de quatro Estados da Região Amazônica (Pará, Maranhão, Roraima e Amazonas). O projeto teve nove meses de duração e o foco voltado para as áreas de vigilância de base comunitária, nutrição, bem viver/saúde mental e medicina indígena, coordenado pelo Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA), do ILMD. Situações de violência, desnutrição, adoecimento mental e degradação ambiental causada pela presença do garimpo ilegal em alguns dos territórios foram as principais constatações do projeto.
De acordo com a pesquisadora em Saúde Pública, da Fiocruz Amazônia, Michele Rocha de Araújo Ell Kadri, coordenadora do Projeto ECHO, o fundo europeu deu continuidade a um projeto anterior mantido pelo UNICEF, em parceria com a Fiocruz, para diagnóstico da atenção à saúde mental de jovens indígenas, permitindo a ampliação do raio de abrangência do estudo, que passou a incluir quatro territórios, nas regiões do Alto Solimões, no Amazonas; Leste de Roraima, território Ianomami; Bacia do Tapajós, no Pará, território mundurucu; e a terra indígena guajajara, no Maranhão. “Cada um desses territórios tem uma especificidade muito própria, situações de violência que eles já vêm sofrendo há muitos anos e que se agravaram no período da pandemia da COVID-19”, explica El Kadri.
Segundo a pesquisadora, o projeto estava previsto inicialmente para ser uma resposta emergencial, tendo em vista o quadro de gravidade da infecção nas primeiras ondas de COVID-19 no País e o reflexo da baixa cobertura vacinal que caracterizou o período, mas com o decorrer da implantação das atividades os pesquisadores atestaram que, na verdade, a COVID-19 só intensificou o sofrimento que as comunidades já viviam. “Destacamos a questão da desnutrição, decorrente da ausência de recursos, a questão da violência presente nos territórios, onde o garimpo e a invasão de terra para extração de madeira são muito fortes e contribuem para a desnutrição dos povos indígenas. A esperança é de que consigamos reverter esse quadro, construído durante esse período de degradação que vivemos, e possamos resgatar essa dívida que só aumentou perante os povos indígenas nos últimos anos”, afirma.
O projeto foi desenvolvido em quatro componentes: construção de um sistema de vigilância epidemiológica de base comunitária; a segunda, destinada a realizar a formação em nutrição e segurança alimentar nas comunidades; a terceira, que prevê a criação de planos de intervenção para apoio à saúde mental visando o combate à violência doméstica, abuso sexual, uso abusivo do álcool e ao suicídio nos territórios, especialmente entre os jovens, e a quarta, voltada para a área da medicina tradicional indígena visando o fortalecimento das redes nos quatro estados de atuação no projeto. Foram realizadas oficinas em Tabatinga e Benjamim Constant, no Alto Solimões, Amazonas; no Lago Caracaranã, em Pacaraima, Roraima; em Jacareacanga, no Tapajós; e nos municípios de Pindaré e Barra do Corda, no Maranhão.
“No tocante à Vigilância em Saúde de Base Comunitária, a ideia é fazer com que a própria comunidade trabalhe na identificação daquilo que é problema para ela, não só relacionados à saúde, mas também à infraestrutura, saneamento, limpeza pública, destinação de resíduos, insegurança alimentar, entre outros. Vimos, por exemplo, pessoas que produzem o alimento in natura, nos seus territórios, para vender e comprar alimento industrializado (embutidos). No que se refere à Medicina Indígena, incentivar o cultivo das plantas medicinais, o autocuidado por meio das práticas terapêuticas desenvolvidas pelos especialistas indígenas”, detalhou a pesquisadora, afirmando que o desafio é dar continuidade a essas ações.
“Temos boas perspectivas de continuar trabalhando em cima dessas temáticas e o próprio UNICEF já sinalizou que há um interesse da comunidade internacional de continuar trabalhando nessa parceria com os povos indígenas numa cooperação futura”, adiantou El Kadri, lembrando que a vitória do Projeto ECHO é a continuidade da parceria com o UNICEF. “É um importante reconhecimento do trabalho da Fiocruz Amazônia, o que nos fortalece também institucionalmente e faz com que sejamos de fato uma instituição que conecta essas pontas, agentes de financiamento e comunidades”, observou.
A chefe do Escritório do UNICEF em Manaus, Débora Nandja Madeira, ressaltou a importância dos resultados do trabalho realizado pela Fiocruz Amazônia. “Estamos aqui para discutir os resultados do Projeto Echo e em todas as componentes que ficaram sob a responsabilidade da Fiocruz foram apresentados resultados muito importantes. Foi um trabalho lindíssimo o que fizeram e agora vamos rediscutir o relatório e as melhores recomendações para que possamos submeter novamente aos doadores para que tenhamos a continuidade do projeto. Tivemos que impor muita velocidade para um projeto muito complexo, e o que conseguiram foi fantástico”, avaliou Débora.
El Kadri salienta que a Fiocruz trabalha junto às comunidades, para fortalecer aquilo que existe no campo, no território de cada uma das regiões. “Entendo que esse foi um grande ganho, importante reconhecimento por parte da seriedade com que dedicamos nossa capacidade de realizar, mas também do fácil acesso e do reconhecimento por parte dos territórios do trabalho que a Fiocruz realiza. Portanto, acredito que temos méritos e vitórias a celebrar”, finalizou.
A EQUIPE
Além de Michele El Kadri, atuam nas coordenações do Projeto Saúde dos Povos Indígenas da Amazônia Alessandra dos Santos Pereira, coordenadora das Ações de Saúde Mental com Povos Indígenas, os pesquisadores da Fiocruz Amazônia Júlio Cesar Schweickardt, chefe do LAHPSA (Medicina Indígena), Kátia Lima e Fabiane Vinente. Atuaram na produção de conteúdo e revisão técnica do material Edilaise Santos Vieira (Tuxá), Ednaldo dos Santos Rodrigues (xucuru), Iolete Ribeiro da Silva, Luciana Ouriques Ferreira, Miriam Dantas de Almeida. Jean Ricardo Maia, Maria Emília Malveira, Vanessa Oliveira e Marluce Mineiro.
As oficinas tiveram como finalidade capacitar profissionais de saúde, gestores e lideranças comunitárias sobre as especificidades em saúde mental com os povos indígenas, buscando respeitar as especificidades culturais de cada território, sendo espaço de escuta das demandas das comunidades, alinhando com a construção de dispositivos de cuidados com a saúde integral.
Nas comunidades indígenas do Alto Solimões, foi observada forte influência religiosa, repasse de medicinas indígenas e diálogo intergeracional. Entre os Yanomami, apesar da organização comunitária e da forte presença feminina, há um quadro singular de fome, suicídio e falta de diálogo intergeracional. Entre as recomendações, estão: fortalecer as tradições, saberes e medicinas indígenas, promover o diálogo entre as gerações, desenvolver ações para a gestão de conflitos, incentivar e fortalecer o protagonismo das mulheres, capacitar as equipes dos Distrito Sanitário Especial Indígena com informações sobre os povos, entre outras.
No componente da Medicina Indígena, se destacam três grandes concepções do sistema de conhecimento indígena (Kihti-ukuse. Bahese, Bahsamori). Durante as oficinas foram abordados os diferentes aspectos das narrativas por meio das ferramentas de comunicação e o olhar conceitualmente descolonizado sobre práticas de cuidado de saúde e cura dos povos indígenas. Na programação, exposição sobre a importância de Kihti ukuse (narrativas míticas), Bahsese (benzimetos) e Bahsamori (rituais), os três conceitos fundamentais do conhecimento prático-científico dos povos indígenas, além do sistema de cuidado de saúde e cura, com benzimentos e uso de plantas medicinais, enfrentamento à Covid-19, orientações sobre produção de vídeos e atividades práticas.
Os benzimentos e uso de plantas medicinais são duas práticas frequentes de cuidado de saúde dos povos indígenas. Os Bahesese são conjuntos de fórmulas de “benzimentos” usadas pelos especialistas indígenas, mais conhecidos como pajés. Eles são aplicados para prevenção (wetidarese), proteção (bahsekamotase) e tratamentos (doatisebahsese). No tocante às plantas medicinais, o uso é ancestral. Os povos indígenas têm pleno domínio de vários tipos de ervas e plantas curativas para diversos tipos de doenças e finalidades. Práticas que há 14 mil anos os povos indígenas detêm e praticam para se prevenir e curarem-se das doenças e dos ataques não-humanos.
PARCERIA COM CENTRO DE MEDICINA BAHSERIKOWI
Criado em junho de 2017, o Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, em Manaus, faz o atendimento a 9.300 pessoas, desse total 99,98% não indígenas, 80% mulheres de 30 a 60 anos de idade, oferecento cuidados para casos de desconfortos, dores no corpo, problemas de pele, psicológicos, de pele e relacionados ao ciclo menstrual, além de proteção de casa, família e trabalho. “Esta parceria foi fundamental para orientação técnica intercultura de todo o projeto”, finaliza Michele El Kadri.