Pesquisador da Fiocruz Amazônia alerta para necessidade de inserção da vigilância do feminicídio no âmbito do SUS

O pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, defendeu, recentemente, em reunião realizada, em Brasília, com a equipe do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), do Ministério da Saúde, a inserção da vigilância do feminicídio como uma prioridade no âmbito do SUS, tendo em vista os números preocupantes de violência letal contra as mulheres no Brasil e a ausência de políticas públicas efetivas voltadas especificamente ao seu enfrentamento e correta estimação.

Orellana coordena, atualmente, na Amazônia Ocidental brasileira e na cidade do Rio de Janeiro, a Rede de Observatórios da Estratégia denominada Vigilância Digital e de Prevenção do Feminicídio (Vigifeminicídio), liderada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que vem mapeando e fazendo um inédito detalhamento, acerca das circunstâncias em que ocorrem os assassinatos femininos em quatro capitais da Amazônia Ocidental – Manaus (AM), Rio Branco (AC), Boa Vista (RR) e Porto Velho (RO), bem como na capital Fluminense, Rio de Janeiro (RJ).

“Em reunião realizada no último dia 12/06, com a coordenadora geral de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes e Promoção da Cultura de Paz, da SVSA, Naíza Nayla Bandeira de Sá e sua equipe, foi discutida a recente ampliação da Rede de observatórios ligados à estratégia Vigifeminicídio, mas também a necessidade de o Ministério da Saúde incluir em sua agenda de prioridades o suporte a iniciativas que auxiliem a dar mais visibilidade ao feminicídio e seus determinantes”, destacou Orellana, que é epidemiologista, vinculado ao Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (LEGEPI), da Fiocruz Amazônia, em Manaus.

“No encontro com os técnicos do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis (DAENT/SVSA/MS), discutimos não apenas pontos cruciais relativos à estratégia Vigifeminicídio, como também a possibilidade de parcerias, trabalho intersetorial e a necessidade da inserção desta linha temática, explicitamente, no rol de prioridades de atuação e incentivo à pesquisa do Ministério da Saúde. Enfim, saímos muito satisfeitos da promissora reunião, devido ao seu potencial de levar para dentro do Ministério da Saúde um desafiador e invisibilizado problema, o qual não pode seguir sendo adiado, sob o pretexto da falta de metodologias acessíveis e que permitam um adequado e responsável dimensionamento do feminicídio no país”, complementa.

Segundo o pesquisador, o trabalho da Rede Vigifeminicídio se distingue por sua abordagem interdisciplinar e por ter como referencial modernos recursos da vigilância inteligente a serviço da vida, buscando integrar dados confiáveis ao desenvolvimento de políticas públicas efetivas de prevenção e enfrentamento da violência de gênero na região e fora dela. O estudo está em desenvolvimento por pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESA) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), das Universidades Federais do Acre (UFAC) e Rondônia (UNIR), bem como da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

CLASSIFICAÇÃO DO CRIME

Recentemente, a Lei 14.994 de 2024, tornou o crime de “feminicídio” como um tipo penal independente, não somente facilitando a classificação do crime, como conferindo-lhe a maior pena da legislação brasileira (até 40 anos). O termo é usado para classificar o assassinato de uma mulher quando este é motivado pelo fato dela ser mulher (misoginia, menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero).

Por meio do LEGEPI, a Rede Vigifeminicídio vem se fortalecendo a partir da realização de pactuações com instituições de ensino e pesquisa, e a realização de treinamentos de captura inteligente de dados para os seus integrantes. No último mês de maio, ocorreu um treinamento na sede da Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, com a participação de docentes, discentes, representantes da coordenação do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC-UFAC) e representantes de instituições públicas e organizações não-governamentais ligadas à temática.

“Para nós, é extremamente gratificante observar o crescimento da estratégia Vigifeminicídio, pois demonstra que estamos ampliando a proposta em direção à sua consolidação, bem como proporcionando uma excepcional cobertura dos assassinatos femininos em quatro estados da Amazônica ocidental brasileira, já que estamos dando conta de aproximadamente 50% da população feminina com 10 anos e mais desses quatro estados. Mais do que isso, temos séries históricas únicas acerca do comportamento de assassinatos femininos e feminicídios, em capitais como Manaus e Porto Velho, com dados desde 2016, incluindo a localização pontual dos locais de agressão das vítimas. Muito provavelmente, não há nada parecido no Brasil, considerando a cobertura e o detalhamento que temos sobre cada uma dessas mortes”, explica o pesquisador da Fiocruz Amazônia.

Para o epidemiologista, mesmo diante dos avanços e com o potencial da iniciativa, na prática, a sua sustentabilidade está seriamente ameaçada, pela falta de apoio financeiro. “Apesar das recentes tentativas de reversão do problema, junto a parlamentares, agências de fomento em pesquisa e mesmo entes governamentais, o problema persiste, seguindo no esquecimento, em um país claramente machista e preconceituoso”, desabafa Orellana.

ILMD/Fiocruz Amazônia, Por Júlio Pedrosa

Fotos: Ingrid Anne / Arquivo / Fiocruz Amazônia