Fiocruz Amazônia e USAID contam com apoiadores como pontos focais nas comunidades quilombolas, ribeirinhas e de migrantes

O Projeto Ciência, Saúde e Solidariedade no Enfrentamento à Covid-19, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia/Fiotec, em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), NPI EXPAND e SITAWI, contam com  apoiadores locais – como são denominadas as lideranças escolhidas como pontos focais nas comunidades – com vistas à execução das oficinas sobre Educação Popular e Comunicação em Saúde para Engajamento Social e Fortalecimento da Cobertura Vacinal da População Ribeirinha, Quilombola e Migrante, que já estão sendo oferecidas pela Frente 3 do projeto. O treinamento dos apoiadores abordou os caminhos a serem percorridos pelos facilitadores em cada um dos territórios selecionados, com apoio das comunidades e instituições parcerias do projeto, a exemplo do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems), nos municípios dos estados do Amazonas, Roraima e Acre.

A Frente 3 do projeto diz respeito à Comunicação e Popularização do Conhecimento Científico. Os objetivos são garantir o acesso amplo, eficaz e com equidade à vacina contra a COVI-19, bem como sua aplicação segura e eficaz, e reduzir a morbimortalidade e transmissão da COVID-19, incluindo prevenção, detecção e resposta às ameaças pandêmicas. Entre as estratégias para isso, está ampliar a demanda pela vacina de COVID-19 e a comunicação de risco e engajamento comunitário para chegar até as comunidades ribeirinhas, quilombolas e migrantes;

“Muitas das populações residentes nesses territórios se encontram em situação de invisibilização, em condição de desvantagem e vulnerabilização perante as demais comunidades sobretudo no tocante ao atendimento de Saúde Pública. Esta é uma realidade comum à maioria dos territórios quilombolas, ribeirinhos e de migrantes, que integram o mapa social delimitado pelo projeto, e a figura do apoiador local tem um papel importante na mobilização das populações”, explica o pesquisador em saúde pública da Fiocruz Amazônia, Júlio César Schweickardt, chefe do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA) e coordenador da Frente 3 do projeto.

Artesã e agricultora, Adriane Nogueira, 24 anos, é apoiadora do projeto e participa das atividades relativas ao Quilombo do Andirá, na comunidade Santa Tereza do Matupiri, município de Barreirinha, Baixo Amazonas. Segundo ela, a maior dificuldade enfrentada pela comunidade é a da comunicação. “O projeto surge como uma possibilidade de se dar vez e voz a essas comunidades, processo no qual nós, apoiadores, temos um papel fundamental”, admite ela, reforçando que a ausência de comunicação acontece inclusive entre as comunidades que formam o complexo.

“As oficinas acabam se tornando também uma oportunidade de intercâmbio, troca de informações entre as comunidades, que muitas vezes não sabem o que está ocorrendo em uma ou na outra. A dificuldade maior a se vencer é essa, não termos comunicação”, afirma Adriane, que vê também no Projeto Amazônia Solidária a possibilidade de desenvolvimento profissional. “Sou um pouco artesã, um pouco agricultora comunitária, um pouco de cada. Ainda não tive chance de ter meu trabalho na área de saúde e educação desenvolvido dentro do meu quilombo e o projeto está me dando essa oportunidade. Como apoiadora, me sinto uma porta-voz”, resume, agradecendo a confiança nela depositada.

Para Adriane, o projeto proporciona ao seu “povo quilombola” a oportunidade de falar o que estão passando. “As comunidades são separadas, como ilhas, cada uma tem dificuldades específicas e passam por processos diferentes. Durante as oficinas, cada representante tem a possibilidade de falar, de acordo com a visão dele, e essa experiencia de intercâmbio de informações e de serem ouvidos e de escutarem os demais, me deixou muito feliz e a eles também”, disse, referindo-se à primeira oficina do projeto realizada no mês de novembro no território quilombola do Andirá.

O atendimento à saúde é uma das questões mais negligenciadas, na opinião da apoiadora. “Somos esquecidos pelo poder público. No posto de saúde, temos a sala de vacina, mas não temos vacina na sala, inclusive a da COVID-19. Temos uma sala de odontologia mas não tem profissional para estar lá. Não há trabalhadores da saúde para colocar a unidade em funcionamento”, revela Adriane, citando ainda a dificuldade de deslocamento com a única ambulancha da comunidade, que é de pequeno porte e coloca em risco a vida dos ocupantes, em caso de vento forte durante a travessia do Rio Andirá. “Só o município-polo, Barreirinha, tem a UBS que responde pelas cinco comunidades e não é seguro transportar mais de um paciente por comunidade, em caso de necessidade”, relata, citando ainda problemas com qualidade da água consumida na comunidade e alcoolismo e ausência de orientação sexual e reprodutiva entre os jovens.

Elisandra Pereira Simas, 32, professora e residente na comunidade quilombola de Santa Maria do Igarapé do Mato, pertencente a Urucurituba, explica que a luta na comunidade é pelo reconhecimento enquanto território remanescente de quilombo. “A importância do território quilombola no contexto da saúde pública, na minha opinião, tem que ser vista de forma diversificada, diferente. Quando se trata de quilombo, a saúde pública tem que ser vista de outra forma. A Fiocruz foi essencial na oficina ocorrida em novembro, no Matupiri, porque tirou muitas dúvidas em relação aos quilombolas. Remédios que não podem ser tomados, vacinas que são obrigatórias e muitos sequer tinham conhecimento. Então é muito importante esse olha da saúde pública para com os quilombolas”, ressaltou.

Na comunidade de Santa Maria do Igarapé do Mato, os moradores não tem acesso à atendimento público de saúde. “Nossa comunidade pertence a Urucurituba, mas a unidade fluvial pertencente ao município não chega até a comunidade. É muito raro ter atendimento médico, vacinação em dia. Geralmente nossas crianças sofrem com esse problema porque quando chegam lá estão com a vacinação atrasada e sofrem por ter que tomar todas as doses de uma vez. As dificuldades elas existem e são cruéis”, lamenta Elisandra, sugerindo a aquisição de uma lancha de maior potência para atendimento às comunidades.

APOIADORES DO COSEMS

Cristiano Fernandes, assessor técnico da Vigilância em Saúde do Cosems-AM, ressalta a importância dos esforços desenvolvidos pela equipe dos apoiadores do Conselho de Secretários do Amazonas para a execução do projeto. “Eles (os apoiadores), na verdade, fazem um trabalho que é rotina, uma vez que a gente apoia, atende e mantém contato com todos os secretários e todas as secretarias municipais de saúde e consequentemente com as equipes técnicas das respectivas secretarias, o que inclui a coordenação de imunização, atenção primária, vigilância epidemiológica, enfim, o projeto é uma oportunidade de colocarmos as nossas equipes em contato direto com essas diferentes realidades”, observa o assessor técnico.

Cristiano explica que o Cosems atuou diretamente na indicação de apoiadores do projeto através do contato diário das equipes com os municípios. “A partir do trabalho que é feito junto às comunidades, foi possível mobilizar as lideranças-referências, incluindo técnicos e agentes comunitários de saúde, que estão na ponta”, afirmou, lembrando que o esforço de mobilização envolveu a realização de oficinas e reuniões periódicas, entre as quais o encontro mensal com os secretários de Saúde, onde são apresentados os projetos que estão sendo desenvolvidos tanto em parceria com outras instituições quanto pelo próprio Cosems, oportunidade em que mobilizam e sensibilizam as autoridades de saúde para a adesão aos projetos.

“Precisamos da adesão dos secretários, e a partir daí desenvolvemos com os respectivos contatos que são os pontos focais”, explica. Segundo Cristiano, as parcerias têm sido extremamente importantes. “A Fiocruz já trabalha há muito tempo em parcerias com o Cosems-AM e outras instituições públicas e tem sido extremamente importantes essas experiências de projetos de pesquisa e tenho certeza que temos contribuído bastante, assim como a Fiocruz tem contribuído nos projetos do Cosems”.

SOBRE OS PARCEIROS 

No Brasil, a USAID, a NPI EXPAND e a SITAWI Finanças do Bem se uniram para criar uma parceria para apoiar a Resposta à COVID-19 na Amazônia. Entre 2020 e 2021, a primeira fase do projeto do NPI EXPAND Resposta à COVID-19 na Amazônia distribuiu mais de 23 mil cestas básicas e kits de higiene, capacitou mais de 500 agentes comunitários de saúde, doou mais de 1,4 milhão de máscaras feitas por costureiras locais e divulgou mensagens educativas de prevenção para mais de 875 mil pessoas na região. A Fase 2 está promovendo maior resiliência das comunidades amazônicas através do apoio amplo a vacinação contra a COVID-19, campanhas de informação e combate à fake News, e apoiando os sistemas locais de saúde na região com equipamentos e insumos para detectar, prevenir e controlar a transmissão de Covid-19, bem como realizar o acompanhamento de casos agudos de COVID-19 e tratar as sequelas de síndrome pós-COVID-19.