Bruno Pereira e Dom Phillips: um crime contra os povos indígenas e a liberdade de imprensa

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips causam tristeza e indignação. Ambos investigavam atividades ilegais e predatórias na região do Vale do Javari e dedicaram suas vidas à garantia do modo de vida dos povos indígenas e à informação de qualidade. O que aconteceu aos dois representa um golpe nos direitos originários e na liberdade de imprensa, marcos fundantes da Constituição de 1988. Tais crimes não podem ficar sem resposta.

Dom Phillips era um importante colaborador da Fiocruz. Ele participou da cobertura da crise da zika em 2015 e nas que se seguiram, nas emergências de febre amarela e de Covid-19. Dom escreveu sobre a atuação da Fiocruz para diversos veículos de alcance internacional, como The Washington Post e The Guardian, entre outros, ajudando a informar a sociedade e a levar o nome da instituição a fóruns internacionais. Bruno era servidor público de carreira e trabalhou por muitos anos na Funai, em que comandou operações importantes em defesa dos povos indígenas.

A consternação se deve também ao fato de as mortes de Bruno e Dom serem evitáveis, diante da denúncia recorrente, por parte da Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Javari (Unijava), de atividades criminosas na região desde o ano passado.

A questão socioambiental, à qual Dom e Bruno se dedicavam, é uma preocupação permanente na Fiocruz, por sua íntima relação com a saúde pública. O conceito ampliado de saúde tem se mostrado mais que necessário diante do surgimento de emergências sanitárias relacionadas às mudanças climáticas, ao desmatamento e à exploração econômica predatória. Na nona tese de seu VIII Congresso Interno, a Fiocruz já indicava que “reconhecendo a Amazônia como componente essencial do projeto de integração nacional e alvo do interesse internacional – tem papel estratégico na geração de conhecimento e inovação em saúde, em parceria com instituições da região, para a salvaguarda da soberania brasileira no território da Amazônia Legal”.

O caso trágico expõe ainda a necessidade vital de se alterar o paradigma da geração de riqueza. A estrutura produtiva baseada em recursos primários precisa dar lugar a uma economia ambiental, com aproveitamento dos recursos sociais biológicos, que insira a produção local em cadeias de valor e incorpore saberes ancestrais. Central para essa bioeconomia é a garantia dos direitos dos povos indígenas e da floresta. Esses diferentes aspectos atravessam as teses definidas no IX Congresso Interno da Fiocruz.

A Presidência da Fiocruz lamenta profundamente o ocorrido e presta sentimentos às famílias de Bruno Pereira e Dom Phillips neste momento tão difícil. O país deve a eles, e a tantos jornalistas e ativistas ambientais, que se faça justiça, o que passa pela identificação de eventuais mandantes, pelo enfrentamento das atividades criminosas na região e por políticas efetivas de garantia do modo de vida das populações locais e de proteção ambiental. Que os ideais de Bruno e Dom sejam fonte de inspiração na luta pela democracia, pela liberdade de imprensa e pelos direitos dos povos originários.

Abaixo, algumas reportagens de Dom Phillips que citam a Fiocruz

Brazil coronavirus: medics fear official tally ignores ‘a mountain of deaths’

‘Enormous disparities’: coronavirus death rates expose Brazil’s deep racial inequalities

Hospitals in Latin America buckling under coronavirus strain

‘I don’t live any more’: Zika takes a heavy toll on families in Brazil

‘There are a lot of unknowns’: British scientists set to work on Zika vaccine

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz