Projeto Diagnóstico das UBS Fluviais visita embarcação adaptada de um iate de luxo para atender ribeirinhos de Santo Antônio do Içá
A UBS Fluvial Maria de Nazaré Magalhães Lasmar é a única em funcionamento no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas, a 1.502 quilômetros de Manaus. Apesar de ainda não ser credenciada pelo Ministério da Saúde e funcionar apenas com recursos municipais, a embarcação atende a mais de 40 comunidades ribeirinhas da região do Alto Solimões e surpreende pelo tamanho – aproximadamente 51,8 metros de comprimento da proa à popa – e sua origem, por tratar-se de um yacht de luxo, fruto de uma apreensão feita no ano de 2017 pela Polícia Federal, em Tabatinga. A embarcação foi adaptada para funcionar com consultórios médico e odontológico fixos, e oferta, durante as expedições, outros serviços de equipes de assistência social do município, como CRAS e CREAS, por exemplo, serviços cartoriais e até de manicure e pedicure, atendendo a uma média de 12 mil pessoas/ano.
Com uma população estimada em 21 mil habitantes, Santo Antônio do Içá é um dos nove municípios a serem visitados pela equipe da Expedição Médio e Alto Solimões, dentro do Projeto Diagnóstico Situacional das Unidades Básicas de Saúde Fluviais na Amazônia Legal e Pantanal, desenvolvido pelos parceiros Projeto Saúde e Alegria, Fiocruz Amazônia, Universidade Federal do Pará (UFPA) e Ministério da Saúde. A equipe permanecerá na região até o dia 3/05. Segundo a coordenadora da Expedição, Marluce Mineiro Pereira, a UBSF Maria de Nazaré Magalhães Lasmar é a maior em funcionamento em todo o Médio e Alto Solimões. “São cerca de 51,8 metros, e chamou a atenção da equipe por desenvolver suas atividades com recurso do próprio município, atendendo mais de 40 comunidades e cerca de 12 mil pessoas ao ano”, explicou.
Segundo Marluce, a embarcação foi repassada em 2020 para a Prefeitura de Santo Antônio do Içá a partir de um diálogo com a PF. “Hoje, ela (a embarcação) tem um papel fundamental na prestação de serviço em Atenção Primária à Saúde do município, mas não recebe recursos do Ministério da Saúde. Para se ter uma ideia, no ano passado, navegou apenas duas vezes por conta de recursos”, conta a coordenadora. Por meio de um termo de doação, a Prefeitura Municipal ficou como fiel depositária da embarcação. “A pendência para o credenciamento como UBSF é o título da embarcação expedido pela autoridade marítima estar fora da vigência”, relata, acrescentando que a documentação se encontra em poder da Capitania Fluvial de Tabatinga.
VISITA
Durante dois dias (3 e 4/04), a equipe da Expedição Médio e Alto Solimões conheceu a embarcação e teve a oportunidade de acompanhar o trabalho de atendimento realizado em comunidades rurais e ribeirinhas, ao longo do Rio Icá. “Fomos muito bem recebidos pela tripulação embarcada e conseguimos cumprir a finalidade prioritária do projeto, que é a realizar um diagnóstico situacional da UBSF e dialogar com gestores, trabalhadores da saúde e usuários assistidos pela embarcação”, comenta Marluce. Junto com ela, atuam na Expedição Lia Josetti Fuenzalida, pesquisadora de saúde; Kleyphide Pereira da Silva, engenheiro naval, e Tales Queiroz Lima de Araújo, assistente de campo.
Segundo a coordenadora, a embarcação é de um layout totalmente diferente do comum pelo fato de ser um yacht , uma embarcação de recreio utilizada para cruzeiros. “Consideramos muito interessante o rearranjo dos espaços para atender a demanda e os objetivos a que se propõe a embarcação, enquanto UBSF, relevante para vida das famílias ribeirinhas, suprindo a demanda da Atenção Básica e possibilitando a execução de programas de acompanhamento periódico. A embarcação é um fator de equidade para a localidade por facilitar o acesso não somente aos programas de saúde como também programas sociais que a eles fazem companhia”, relatou Kleyphide Silva.
A população rural/ribeirinha do município, dispersa ao longo da Rio Içá, aguarda ansiosa pela chegada da equipe, que enfrenta desafios logísticos e sazonais. “Promover saúde na Amazônia, especialmente quando pensamos na logística e nos custos para oferta de serviços à população rural e ribeirinha, que vive em regiões remotas, continua sendo um grande desafio. Percebemos de perto ao visitar a comunidade Monte Tabor, e vimos a importância que a unidade de saúde fluvial possui. Para ter acesso a uma unidade de saúde fixa na sede do município, os usuários levariam ao menos duas horas para o deslocamento, o que despenderia aproximadamente 200 litros de combustível para ida e volta. Colocando na ponta do lápis, o usuário gastaria em torno de R$ 1.600,00 apenas pelo deslocamento a uma consulta”, pontua Marluce Mineiro.
O município oferta atendimento médico e odontológico e conta ainda com apoio da e-Multi. “O que mais me chamou a atenção nessa UBSF foi o seu tamanho e o fato de ser uma embarcação de grande porte, o que permite levar uma gama maior de serviços às comunidades ribeirinhas. Por ser mais robusta, ela consegue transportar uma equipe de saúde ampliada, além de oferecer outros serviços públicos importantes, como agendamento de RG, atendimentos do INSS, CRAS, CREAS e até mesmo serviços cartoriais.”, destaca a sanitarista Lia Fuenzalida. Segundo ela, neste aspecto, a UBSF cumpre um papel fundamental ao aproximar essas comunidades dos serviços da administração pública.
A pesquisa tem possibilitado conhecer de perto a realidade ribeirinha da Amazônia, proporcionando aos integrantes da equipe, a uma rica experiência de campo. “A experiência de trabalho de campo no município de Santo Antônio do Içá foi extremamente enriquecedora e única. A pesquisa foi realizada em uma Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF), que, de forma inovadora, utiliza um yacht adaptado para oferecer serviços de saúde nas comunidades ribeirinhas. Esse formato, além de ser uma solução criativa para a difícil acessibilidade das localidades, proporcionou uma vivência diferenciada, pois os desafios enfrentados pela equipe e pelos profissionais de saúde no atendimento às populações ribeirinhas são bastante peculiares”, ressaltou o assistente de campo Tales Araújo. A equipe já visitou os municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Amaturá. Continuará a expedição pela calha do Solimões visitando os municípios de Tonantins, Fonte Boa, Uarini e Jutaí.
SOBRE A PESQUISA
A pesquisa “Projeto Diagnóstico das Unidades Básicas de Saúde Fluviais” é coordenada pelos pesquisadores do Laboratório de História e Políticas Públicas de Saúde na Amazônia (LAHPSA), da Fiocruz Amazônia, Michele Rocha de Araújo El Kadri e Rodrigo Tobias de Sousa Lima. O projeto deu início às expedições de avaliação das condições de funcionamento das UBS fluviais desde o dia 17/03, contando com nove equipes cobrindo Expedições Marajó, Belém, Rio Tocantins, Pará-Amapá, Médio e Alto Solimões e Rio Negro.
O objetivo do projeto é identificar as condições de funcionamento das UBS fluviais, com a aplicação de questionários que permitirão um diagnóstico completo da situação atual das UBSF. Nesta primeira fase, o projeto abrangerá um total de 51 municípios. Na segunda fase, estão previstos mais 43, de modo a cobrir as 96 embarcações. Com dois anos de duração, a pesquisa visa subsidiar projetos de reativação, ampliação e qualificação das Estratégias de Saúde Fluvial na Amazônia. Após o levantamento das informações pelas equipes de campo, será feita a análise dos dados pela Fiocruz Amazônia e os apontamentos necessários em melhorias que podem ser feitas nas embarcações, tais como relocações, instalação de placas solares, sistema de diminuição de ruído, tratamento de esgotos, entre outras.
ILMD/Fiocruz Amazônia, Por Júlio Pedrosa (com informações de Marluce Mineiro, Coordenadora da Expedição Médio e Alto Solimões)
Fotos: Tales Araújo / Especial para Fiocruz Amazônia