Estudo faz análise científica dos custos financeiros para funcionamento das UBS Fluviais na Amazônia

Inserida há 12 anos na Política nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde, a estratégia de assistência à saúde por meio de Unidade Básica de Saúde Fluvial e suas equipes fluviais e ribeirinhas só existe no Brasil. Recentemente, uma dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde (PPGVIDA), desenvolvida pelo Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA), realizou uma análise científica sobre os custos financeiros para o funcionamento das Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF) na Amazônia, fornecendo subsídios para uma avaliação aprofundada acerca da estratégia visando o fortalecimento da política. A pesquisa, intitulada “Custos da Atenção Primária à Saúde em um Contexto Ribeirinho e Rural da Amazônia Brasileira”, foi realizada entre os meses de junho de 2018 e março de 2019, segundo descreve o autor, o administrador e contabilista Cláudio Pontes.

O estudo tomou como referência os custos de uma UBSF em funcionamento no município de Tefé, a 523 quilômetros de Manaus. A dissertação foi publicada na coleção britânica Intechopen de livros internacionais sobre economia da saúde em conteúdos específicos. Na apresentação, o autor descreve a UBSF como uma estratégia inovadora para levar cuidados de saúde a populações ribeirinhas isoladas na Amazônia. Durante o período analisado, foram realizadas nove viagens, atendendo dez áreas e 30 comunidades, com um custo total de R$ 761.705,87 (US$ 190.426,47). Os principais custos foram com recursos humanos (64,62%), insumos de saúde (17,72%) e combustível (12,11%).

Os recursos estimados apresentam uma realidade de viagens nos períodos de cheia, onde o acesso fluvial até as comunidades é facilitado e expressa que nessa época do ano os repasses federal e municipal somados são considerados suficientes para as viagens das equipes da estratégia saúde da família, embora não se tenha feito estimativas no período da seca onde os leitos dos rios estão mais secos e os custos das expedições aumentam sobremaneira. O autor recomenda que novas pesquisas sobre custo-efetividade e eficiência do serviço possam ser realizadas para aprimorar o modelo. Como fatores limitantes, ele aponta a falta de controle informatizado e a ausência de comparações com outras UBSFs.

A pesquisa aponta também os desafios enfrentados pelas populações ribeirinhas, entre os quais acesso limitado a serviços de saúde, sendo a principal dificuldade a distância e o tempo necessário para se chegar aos serviços de saúde, levando em média 4,2 horas para alcançar áreas urbanas; condições geográficas e climáticas, sobretudo relacionadas à sazonalidade dos rios e às condições climáticas que dificultam o transporte, a logística e o acesso às comunidades; altas taxas de doenças, com prevalência de hipertensão (26% da população adulta) e outras condições de saúde devido à falta de acesso regular a cuidados médicos; desigualdade histórica, uma vez que antes da criação das UBSFs, não havia um modelo institucionalizado de atendimento adequado para essas comunidades, e custos elevados de atendimento para levar serviços de saúde (transporte, combustível e manutenção de equipes).

Claudio Pontes explica que esses desafios reforçam a necessidade de estratégias específicas, como as UBSFs, atendendo as demandas únicas dessas populações e reduzindo desigualdades. Além de recursos humanos, insumos de saúde e combustível, outros custos associados às UBSF apontados pelo estudo são alimentação (4,02%), materiais de escritório e TI (0,82%), Manutenção (0,34%), materiais de higiene e limpeza (0,24%) e gás de cozinha (0,13%).

O trabalho teve como orientador o pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz Amazônia, Rodrigo Tobias de Sousa Lima. Para Tobias, a principal colaboração do estudo é o fato de ter dado uma contribuição científica inédita no campo da saúde coletiva, do ponto de vista dos custos da Atenção Primária à Saúde, que pode vir a se tornar referência para o Brasil e outros países. “Com sua formação nas ciências gerenciais, Cláudio Pontes oferece uma contribuição estratégica ao estimar os custos das UBS Fluviais na Amazônia. Sua obra se torna referência indispensável para o planejamento e financiamento da saúde fluvial, além de fomentar e fortalecer uma linha de pesquisa no campo da gestão, do planejamento e das políticas de saúde voltadas à realidade amazônica”, comenta Tobias.

DIAGNÓSTICO

Claudio Pontes e Rodrigo Tobias destacam a importância da pesquisa como referencial de consulta sobre saúde fluvial, uma vez que realizam atualmente uma pesquisa com a finalidade de promover diagnóstico situacional das 54 UBSFs, de um total de 96 cadastradas pelo Ministério da Saúde na Amazônia. “Esse indicador é essencial para se compreender as condições de financiamento dessa estratégia de Atenção Primária em Saúde em regiões fluviais e ribeirinhas – bem como identificar oportunidades e desafios, incluindo aspectos como a sazonalidade dos rios, navegabilidade e a fixação dos profissionais de saúde, levando-se em conta sempre a garantia ao direito universal à saúde em contextos tão desafiadores”, explica Tobias. A partir do diagnóstico, o MS poderá subsidiar ações da PNAB como reativação de embarcações, ampliação da oferta do serviço e qualificação das equipes de Saúde da Família que atuam na região amazônica.