Pesquisa avalia eficácia de medicamento para pé diabético
“Avaliação da eficácia e segurança do fator de crescimento epidérmico recombinante (FCEhr) intralesional em participantes com úlcera de pé diabético no Brasil”. Assim foi batizado o protocolo de pesquisa clínica conduzido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), que deverá envolver 304 participantes ao longo dos próximos seis meses. A iniciativa tem por objetivo avaliar a resposta dos pacientes brasileiros com diabetes e úlcera nos membros inferiores, caracterizando o quadro de pé diabético, ao medicamento cubano Heberprot-P®. Ao longo de oito semanas, metade desses 304 participantes da pesquisa receberá no mínimo 18 aplicações, por três vezes a cada semana, do produto. A outra metade, 152 participantes, receberá placebo.
A presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Hermelinda Pedrosa, será a investigadora principal (PI, na sigla em inglês) do trabalho. De acordo com ela, o pé diabético é uma das complicações crônicas que provoca grande impacto nos custos e na qualidade de vida dos pacientes diabéticos. O recente estudo, Annual Direct Medical Costs of Diabetic Foot Disease in Brazil: A Cost of Illness Study, indica que nos países em desenvolvimento, 25% dos diabéticos desenvolverão pelo menos uma úlcera do pé durante a vida, ou seja, uma pessoa entre quatro terá problema nos pés, desencadeados pela Neuropatia e complicados por Doença Arterial Periférica e Infecção, resultando em amputações.
O trabalho é baseado na população com diabetes em 2014 (9,2 milhões de pessoas), abaixo da atual, cerca de 13 milhões (IDF, 2017), e estima 43.726 pacientes com úlceras no pé, metade com infecção, e 22.244 pacientes com diabetes mellitus foram hospitalizados para procedimentos relacionados a Pé diabético. O custo total com esta complicação totalizou US$ 361 milhões, e o custo médio mais alto foi entre aqueles submetidos a amputação. Em recente publicação da Associação Americana de Diabetes, de maio, as complicações mais onerosas são a doença arterial periférica e as neurológicas.
Úlcera do pé diabético
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pé diabético é a “situação de infecção, ulceração ou também destruição dos tecidos profundos dos pés, associada a anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular periférica, nos membros inferiores de pacientes com diabetes mellitus”. O comprometimento dos nervos periféricos dos pés e pernas, a Neuropatia diabética, decorre do excesso de glicose circulante no sangue, hiperglicemia, não controlada ao longo dos anos, e provoca perda da sensibilidade dos pés associada a deformidades semelhantes às que ocorrem na Hanseníase. Úlceras em pés de pessoas com diabetes são de difícil cicatrização, principalmente quando se instala infecção.
Portanto, mesmo pequenos ferimentos nos pés desses pacientes podem se tornar um problema grave, levando– 40 mil por ano, no Brasil – à necessidade de amputação. Daí a importância de opções terapêuticas que colaborem para a cicatrização das úlceras, sobretudo se há neuropatia e má circulação, considerando-se que há aproximadamente 830 mil pessoas com esses problemas, segundo o estudo de 2014.
Hermelinda lembra que a descontinuidade das políticas públicas colabora para estes números, pois projeto iniciado de forma pioneira pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) do Distrito Federal, o “Salvando o Pé Diabético”, foi implementado na década de 1990 e contribuiu para a redução de 78% nas amputações. Os resultados fizeram com que o projeto se estendesse a outros estados, e até 2004 havia mais de 70 ambulatórios de Pé diabético na maioria dos estados brasileiros, após capacitação de médicos e enfermeiros, obtendo ainda reconhecimento internacional.
O Heberprot-P® é uma alternativa para diminuir as internações prolongadas e aos desafios trazidos pela descontinuidade das políticas, com a inexistência de uma linha de tratamento padrão. Criado no Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB), em Havana, Cuba, o medicamento é aplicado no sistema de saúde cubano desde 2007, como parte do programa de assistência primária aos pacientes com úlcera diabética do país caribenho. Lá, seu uso foi aprovado após estudos com mais de quatro mil pacientes participantes. Desde o início de seu uso, os casos de amputação foram reduzidos em mais de 80%.
A pesquisa conduzida por Bio-Manguinhos/Fiocruz poderá confirmar se seu uso realmente acelera a cicatrização de úlceras profundas e complexas, tanto neuropáticas quanto isquêmicas, dos pacientes brasileiros com úlcera do pé diabético.
TRABALHO ABERTO À COLABORAÇÃO
Para pactuar como a pesquisa clínica será conduzida, Bio-Manguinhos/Fiocruz recebeu em meados de junho profissionais do Hospital Regional de Taguatinga (DF), da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia, da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, do Hospital Universitário Agamenon Magalhães (PE), da Universidade Federal da Paraíba, do Hospital de Servidores do Estado do Rio de Janeiro, do Hospital Universitário Pedro Ernesto (RJ) e também do laboratório que desenvolveu o produto, o CIGB cubano.
O diretor do Instituto, Mauricio Zuma, lembrou a todos sobre a importância do estudo, que poderá beneficiar milhares de pessoas, e agradeceu aos profissionais pela parceria na captação e acompanhamento dos participantes do estudo. Coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Maria de Lourdes de Sousa Maia, lembrou que o trabalho junto aos 304 participantes terá de obedecer ao cronograma de seis meses, já que o trabalho está organizado a ter seu início, sustentação e conclusão.
Ela ressaltou ainda a importância de dialogar e esclarecer às associações de pacientes sobre a importância da empreitada. “Eles precisam ter a dimensão de que vamos iniciar este estudo clínico. Fazer a divulgação nos estados, envolver as equipes de Saúde da Família, empoderar, abrir as portas para a colaboração de novos atores”, destacou.
Hermelinda afirma que as atuais opções de tratamento em uso não conseguiram recomendação forte pela qualidade baixa das evidências e o Heberprot® é considerado, na revisão sistemática de 2016 pelo IWGDF (International Working Group on the Diabetic Foot), o qual ela representa no Brasil, “uma medicação promissora mas que requer um estudo de melhor desenho”. Por isso, o protocolo do estudo contou com a participação de experts internacionais do tema, William Jeffcoate e Fran Game, além da equipe brasileira.
“Há expectativa de que este estudo encontre respostas para questões até agora não respondidas nas pesquisas realizadas em Cuba. A perspectiva de ter um produto para acelerar a granulação e também promover o fechamento da úlcera de forma integral pode resultar em ganhos econômicos e sociais, com impactos diretos e indiretos sobre o Sistema Único de Saúde”, aposta Hermelinda.
Segundo o cronograma, os resultados completos podem estar disponíveis em cerca de um ano e meio. “São seis meses para obter os dados de cada participante. No entanto, o estudo tem alta complexidade de inclusão e exclusão de participantes, provenientes de um segmento de pacientes de difícil acompanhamento e o prazo pode ter de ser estendido”, concluiu Hermelinda.
Bio-Manguinhos/Fiocruz, por Paulo Schueler