Olimpíada da Fiocruz difunde princípios do SUS e leva mensagem de incentivo à vacinação, à cidadania e cuidado com o meio ambiente ao interior do Amazonas

O orgulho da agente comunitária de saúde Doroteia Cavalcanti Martins, 54, moradora da comunidade Boca de Mamirauá, no município de Tefé, a 540 quilômetros de Manaus, é simbólico. Ela se orgulha de ter vacinado todos os moradores do local e afirma cuidar das 115 pessoas que integram as 23 famílias residentes na área, sobretudo depois da pandemia de Covid-19. A localidade, que deu origem à atual Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, unidade de conservação estadual que protege hoje um área de quase 2 milhões de hectares, entre os rios Solimões e Juruá, no Amazonas, foi um dos locais por onde passou a expedição da Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente (Obsma), da Fundação Oswaldo Cruz, entre os dias 28/8 e 4/9. Esta foi a primeira expedição da Obsma à Amazônia, no pós-pandemia, com a finalidade de dar continuidade ao trabalho de interiorização da Olimpíada, na região Norte, começando com as oficinas pedagógicas pelo Estado do Amazonas.

O objetivo da Obsma é o de estabelecer conexões com diferentes grupos sociais, sobretudo professores e alunos da educação fundamental dos municípios, para orientar não só sobre como se inscrever para participar, mas também discutir e refletir sobre temas transversais importantes para a saúde e o meio ambiente. Ao longo de uma semana, por meio de parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), a equipe de pesquisadores e bolsistas, chefiada pela coordenadora nacional de Divulgação Cientifica da Fiocruz, Cristina Araripe, que também é coordenadora geral da Obsma, percorreu comunidades e estabeleceu contato com professores e gestores de escolas rurais e indígenas situadas nas calhas dos rios Tefé e Solimões, por meio de palestras, rodas de conversa, dinâmicas em sala de aula e visitas técnicas.

Em Tefé, a rede pública municipal possui 14,8 mil alunos, distribuídos em 88 escolas, das quais 69 estão situadas na zona rural e 16 são indígenas. Uma delas, a escola Santa Cruz, na comunidade Nova Esperança, teve o professor Genival Júnior da Silva, da etnia maiuruna, presente nos quatro dias de oficinas pedagógicas. Genival leciona História, e Ensino Religioso e das Artes, aos cerca de 200 alunos do 6⁰ ao 9⁰ ano da comunidade e pretende inscrever um projeto na Obsma. “É a primeira vez que tenho contato com a Olimpíada da Fiocruz e quando voltar para a sala de aula quero motivar os alunos e despertar o interesse nos demais professores da escola para desenvolver propostas de projeto”, afirma. Uma das pretensões do professor é elaborar projeto voltado para o reavivamento das línguas nativas, que ele considera o maior desafio da educação escolar indígena na atualidade.

Questões como a destinação correta do lixo, saneamento básico, reaproveitamento de resíduos sólidos, entre outros, podem servir de exemplo para propostas de projetos para a Olimpíada. Roseana Lima Cândido, professora de Artes e Ensino Religioso da escola indígena municipal Venceslau de Queiroz, situada na zona rural de Tefé, conta que já vinha trabalhando no protótipo de um instrumento musical de sopro feito a partir da reutilização de garrafas PET. “Estou aprimorando uma ideia que já existe, mas participando da oficina percebi o potencial dessa proposta que pode contribuir de alguma maneira com a destinação correta de resíduos sólidos nas aldeias”, observa Roseana.

MATEMÁTICA E ARTESANATO

Para alguns pode ser apenas um trabalho manual, mas para a professora Jaqueline Lima Praia, que leciona Matemática na escola municipal rural indígena João Hamilton, o artesanato indígena e a disciplina de Exatas têm muito em comum. “Minha proposta é a de um projeto de aplicação dos conceitos matemáticos no artesanato indígena, com o objetivo de facilitar o ensino da disciplina para os meus alunos”, adianta. Ela relata que em peças feitas a olho nu é possível mensurar valores, aplicar conceitos de geometria, simetria, regra de três e proporção, que podem ser observados no crochê e no bordado.

A pesquisadora social da Fiocruz Amazônia, Rita Bacuri, coordenadora da Regional Norte da Obsma, explica que o trabalho das oficinas pedagógicas e o do projeto Alunos em Ação visa exatamente despertar o potencial de professores e alunos para descobrir a ciência e suas possibilidades. “As duas atividades (oficinas para docentes e discentes), feitas paralelamente se integram e se completam no exercício da educação básica. O nosso trabalho é contínuo e já estamos articulando, para o próximo mês de outubro, a realização de oficinas e palestras da Obsma nos Estados do Pará e Roraima, por ocasião da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia”, salienta Bacuri, lembrando que as inscrições de projetos podem ser feitas até 24 de junho de 2024. “Esse prazo é justamente para viabilizar que o maior número possível de professores possa se inscrever”, enfatiza.

BUSCA ATIVA

A Obsma chega a Tefé num momento em que a Secretaria Municipal de Educação se mobiliza para obter o selo Unicef da plataforma Busca Ativa Escolar. O selo foi criado para incentivar a identificação das crianças e dos adolescentes que estão fora da sala de aula, ajudando-os a voltar e a permanecer na rede de ensino. O professor Elton Marques, coordenador do Busca Ativa, diz que o município já conseguiu atingir a meta, prevista para 2024, com a efetivação de 465 rematrículas de alunos evadidos. “A Olimpíada da Fiocruz chega em boa hora porque é uma forma de despertar nos estudantes a curiosidade por temas científicos e aumentar a interação entre alunos e professores”, observa.
A oportunidade de acesso a novos conhecimentos motivou o professor indígena Edinaldo Barbosa a participar das oficinas pedagógicas. Ele ensina numa escola rural que fica a três dias de distância de barco, da sede do município. “Nossa escola fica muito longe e pelo fato de não termos internet nem televisão, ficamos sem acesso a tanta informação importante. Está sendo uma oportunidade e tanto conhecer a Olimpíada e saber que podemos, com ela, desenvolver projetos com os alunos. Participar será um estímulo a mais para os professores”, afirma Edinaldo.
As oficinas pedagógicas conseguiram reunir, no total, 92 professores de diferentes localidades do município de Tefé. Paralelamente, a atividade Alunos em Ação, desenvolvida por pesquisadores da Fiocruz que integraram a expedição, contemplou 1.100 estudantes do Ensino Fundamental e Médio das redes municipal e estadual de ensino. A finalidade é despertar no jovem a curiosidade pela Ciência, por meio de palestras, jogos e dinâmicas em sala de aula. Acostumados a dificuldades logísticas impostas pelas distâncias e agravadas pelo regime de cheias e secas dos rios, os estudantes participaram ativamente e aprovaram a novidade. Cleidison da Silva, 15, aluno do 2º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Getúlio Vargas, na comunidade Abial, gostou da atividade prática em sala de aula. “A Olimpíada vai ajudar os estudantes a entenderem melhor o nosso ambiente e o nosso futuro”, opinou.

 

POPULARIZAÇÃO   

Presente à expedição, o pesquisador-titular do Laboratório de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica, da Fiocruz, Carlos José Saldanha, diz que iniciativas como a da Olimpíada da Fiocruz são excelentes ferramentas de popularização da Ciência em regiões carentes de informação e comunicação científica, como é o caso da Amazônia e outras regiões brasileiras. Em Tefé, o pesquisador, juntamente com a coordenadora pedagógica do Projeto Alunos em Ação, Thatiana Victoria Machado, desenvolveu ações educativas com alunos de comunidades periféricas e ribeirinhas.
Com jogos, dinâmicas de perguntas e respostas e palestras sobre temas como o papel da Fiocruz, acesso à saúde, direito a cidadania, e a Agenda 2030 dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), os pesquisadores puderam tirar dúvidas e vivenciar a realidade dos jovens ribeirinhos. “A Olimpíada é uma grande chance que temos de popularização de informações, que vai direto na base da pirâmide da educação nacional, que são as escolas. É lá, nas escolas, que divulgamos valores, conceitos, os princípios e os fundamentos do SUS, difundimos o papel da Fiocruz. Com isso, fazemos com que a juventude tenha uma visão ampliada sobre o que é saúde e o que é meio ambiente”, explica o pesquisador, que é autor do livro Pensamentos Ecológicos (Volumes 1 e 2), com 812 páginas.
Para Saldanha, tratar a saúde na visão simplória de que é apenas ausência de doença, não é mais aceitável. “Falta de saúde é falta de transporte, de moradia adequada, destruição do meio ambiente Na estratégia de comunicação que adotamos com os estudantes, visamos que esse conceito seja inoculado, usando uma metáfora  biológica, no corpo desses jovens, Esperamos que, com isso, eles possam refletir sobre o exercício da cidadania, fazer cobrar de quem é de direito o acesso à saúde, direito constitucionalmente constituído. Cabe aos jovens cidadãos que estão se formando empreender ações para que os verdadeiros responsáveis pelas políticas públicas pratiquem aquilo que devem praticar legalmente”, salienta.
Carlos Saldanha defende a participação dos pesquisadores da área da saúde da Fiocruz no processo de formação educativa da Olimpíada. “É um desafio. Pesquisador que não faz isso, perde a oportunidade de democratizar o conhecimento do que ele produz. Não basta só escrever um artigo de divulgação científica de duas laudas, a garotada não lê. Aqui em Tefé, virmos presencialmente e permitir que os jovens tenham contato com o pesquisador, fez a diferença. O Brasil carece desse esforço sobretudo agora com todo o movimento negacionista que o Brasil vivenciou e continua vivenciando, com os ataques às vacinas. Felizmente, agora está se restabelecendo a ordem constituída da vacina para todos”, finaliza.

MAMIRAUÁ

As oficinas de Tefé contaram com o apoio do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e  foram as primeiras de uma série que deverá ocorrer em estados da Região Norte, até o final do ano. “A falta de recursos e a dificuldade de acesso à internet são fatores limitantes para os estudantes que vivem no interior da Amazônia, daí a importância desse contato presencial da Obsma, com professores, alunos e comunitários vivenciando as suas realidades e incentivando a participação deles na Olimpíada”, observa a coordenadora geral, Cristina Araripe. Este ano, a Obsma entra na sua 12a edição. Os projetos concorrem em pé de igualidade com escolas de todo o País.
Cristina Araripe, que coordena também o Projeto Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz, explica a importancia do contato com os jovens, dentro do processo de divulgação dessas iniciativas. “Tanto a Olimpíada quanto o Mulheres e Meninas na Ciência são projetos voltados para jovens estudantes e estando na Amazônia, realizando uma série de ações educativas para os jovens, convidamos a todos que participem das atividades com projetos e iniciativas de um modo geral que sejam voltadas para  pensarmos o futuro do nosso planeta. Os jovens são fundamentais nessa luta pelo direito ao meio ambiente saudável e em defesa da vida, trabalho que a Fiocruz também realiza. É fundamental que os jovens se engajem nessa luta e, dessa forma, possam transformar a sua realidade. Isso é próprio da juventude”, afirma.

ILMD / Fiocruz Amazônia, texto e fotos por Júlio Pedrosa.