Fiocruz Amazônia realiza oficina sobre Orientação de Indígenas em Programas de Pós-graduação
A oficina aconteceu nas dependências do ILMD/Fiocruz Amazônia e contou com a participação dos professores universitários Antonio Carlos de Souza Lima, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Fluminense e antropólogo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Jane Beltrão, antropóloga da Universidade Federal do Pará, e a antropóloga e pesquisadora em Saúde Pública Inara Tavares, do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR), indígena do povo saterê maué. “Convidamos três professores universitários, que têm uma experiência muito consolidada em orientação de indígenas em pós-graduação, para uma reflexão sobre essas experiências e apresentação de estratégias construídas ao longo das suas trajetórias para que consigamos sistematizar um material que possa servir como meio de reflexão para os docentes que irão orientar os alunos indígenas no Alto Solimões”, afirmou Luiza Garnelo.
Segundo a pesquisadora da Fiocruz Amazônia, as experiencias foram acumuladas individualmente a partir da criatividade própria de cada professor. “Pretendemos com esse material, fruto de uma experiência singular, pessoal, transformá-lo num objeto de reflexão que possa ser utilizado coletivamente no programa e consigamos então começar a sistematizar uma espécie de dossiê da experiência de orientação de alunos indígenas em programas de pós-graduação”, explica Garnelo, considerando bem-sucedida a oficina, com diversas estratégias interessantes que, se espera, sejam úteis ao corpo docente do PPGVIDA, que atuará na turma indígena fora da sede.
O antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima considera fundamental a iniciativa da Pós-Graduação da Fiocruz Amazônia, tendo em vista que ela lança um protótipo de uma forma de treinamento de pós-graduação de indígenas em direta associação com o exercício profissional, que é de extrema importância no caso da Saúde Pública como também em outras áreas. “Essa é uma antiga reclamação do movimento indígena. A política de expansão da inclusão de indígenas das universidades levou a uma presença indígena importante nessas instituições de ensino superior, o que não significa dizer que essa presença tenha sido suficiente para que essas universidades adequassem cursos e propostas formativas à realidade das demandas indígenas e do exercício profissional”, enfatiza o pesquisador da UFRJ, observando que a oficina lança luzes não apenas para a questão da formação em Saúde Pública mas também para outras áreas de formação.
OUTRAS CULTURAS
Como indígena e antropóloga, Inara Tavares concorda com a necessidade de se entender as especificidades do processo de formação de indígenas tanto nas graduações quanto nas pós-graduações. Para ela, a oficina foi passo importante à medida em que se propôs a reflexão sobre a presença de pesquisadores indígenas na pós-graduação, para além das ações afirmativas. “Existem outros processos por instituições de pesquisa e universidades que precisam entender as especificidades de nossa formação e como o indígena produz conhecimento e ciência dentro dessas estruturas acadêmicas. Com a Sala Estendida do PPGVIDA, pretende-se sistematizar metodologias e processos de formação, o que é extremamente importante, a partir de experiências em diferentes de processos de formação e a necessidade de pensar esse processo com turmas exclusivas de povos indígenas”, observou.
A antropóloga Jane Beltrão, que trabalha há mais de 20 anos com ações afirmativas na UFPA, defende a adoção de iniciativas como a do Mestrado para turma exclusivamente indígena da Fiocruz Amazônia. “São iniciativas relativas à pós-graduação essenciais para que possamos continuar a formação de pessoas indígenas num nível que dá uma outra qualidade ao que eles já fizeram na graduação, sobretudo na área da Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, que hoje parece funcionar um pouco melhor, mas as críticas ainda são muitas e a formação de pessoal especializado pode auxiliar a fazer as correções necessárias na saúde indígena”, sugere.
Uma nova oficina, desta vez com os docentes que atuarão como orientadores no Mestrado em Saúde Coletiva para indígenas, no Alto Solimões, deverá acontecer como parte do projeto. “Não podemos esquecer que ensinar para indígenas significa estar reproduzindo conhecimento do colonizador. Temos 500 anos de violência, não fomos nós que a cometemos, nem os nossos estudantes que a receberam, mas esse é um aspecto presente à história desses povos”, salienta Luiza Garnelo. Segundo ela, não se trata de uma relação professor e aluno. “Tem uma sombra permanente no meio dessa relação, que é a sombra do processo de colonização e as violências que ele gerou. Todas essas são dificuldades que o professor precisa ter clareza de que existem para poder manejar com elas, além de questões como o domínio da língua portuguesa e das ferramentas cognitivas usadas no nosso processo de aprendizado. Todos são pontos que entendemos serem objetos de reflexão que devem compor nossas discussões no processo de orientação e formação dos sanitaristas indígenas”, finalizou Garnelo.
ILMD / Fiocruz Amazônia, texto e fotos por Júlio Pedrosa