Estudo aponta que quatro cidades brasileiras somam mais de 22 mil mortes acima do esperado
As notificações diretamente atribuíveis à Covid-19 informam a ocorrência de mais de 74 mil mortes no Brasil. Em quase 5 meses após o surgimento dos primeiros casos no país, ainda é difícil apontar números precisos da mortalidade específica pela doença, diante das falhas da cobertura da vigilância laboratorial e epidemiológica.
Estudo feito por pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) adotou modelo matemático para analisar o período de 23 de fevereiro a 13 de junho de 2020, tendo como base os anos de 2015 a 2019, para estimar as mortes esperadas.
Segundo a investigação, houve uma somatória de mais de 22 mil mortes excedentes durante a epidemia, em 4 capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Manaus. Para a análise, foram utilizados dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e da Central de Informações do Registro Civil (CRC) Nacional, bem como relatórios epidemiológicos de secretarias de saúde.
Os pesquisadores observaram que o número de mortes excedentes variou ao longo do tempo, mas, em geral, os picos mais proeminentes de mortalidade ocorreram nos meses de abril e maio, especialmente em Manaus e Fortaleza. Embora, esse número tenha sido proporcionalmente menor em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
“Avaliar o excesso de mortes pode ser a única e mais viável forma de se mensurar rapidamente os impactos ou a severidade da crise sanitária e sua possível relação com a capacidade de resposta ao problema”, explica pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana.
Segundo o pesquisador, o indicador de mortalidade por causas naturais, utilizado na análise, representa o total de óbitos ocorridos em cada cidade, em certo intervalo de tempo e em indivíduos com 20 anos ou mais, excluindo as mortes não-naturais ou violentas, como acidentes de trânsito, suicídios e homicídios.
As cidades investigadas foram selecionadas especialmente porque concentravam nesse período, em torno de 35% de todas as mortes por Covid-19 notificadas no Brasil, e aproximadamente 67% de todas as mortes por Covid-19 notificadas pelas 27 capitais, até o fim da semana epidemiológica 24 (7 a 13 de junho).
MORTES EM MANAUS
Em estudo publicado em junho, os pesquisadores analisaram a mortalidade em Manaus, no período entre a 11ª e a 16ª semana epidemiológica (de 15 de março a 25 de abril de 2020). Essa investigação apontou um número explosivo de mortes na cidade em relação à anos anteriores, o que poderia indicar mortes causadas pela Covid-19, além de revelar a fragilidade dos serviços de saúde na cidade.
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Agora, os pesquisadores ampliaram a investigação para outras três capitais (Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo) para estimar quantas mortes excedentes aconteceram nessas cidades, sejam elas diretamente atribuídas à Covid-19 ou indiretamente.
“Em São Paulo, por exemplo, em torno de 28% das mortes excedentes não foram direta e oficialmente associadas à Covid-19. Neste caso, é possível que a proporção de subnotificações relativas à doença seja menor do que nas demais cidades. Por outro lado, em Manaus, o número de mortes excedentes pode ter sido 108% maior do que a quantidade atribuída direta e oficialmente à Covid-19. Em outras palavras, a chance de ampla subnotificação de mortes por Covid-19 parece ser bastante real, principalmente se lembrarmos que Manaus, entre as capitais com mais de 1,5 milhões de habitantes, é a única sem Serviço de Verificação de Óbito e, historicamente, com precária estrutura de vigilância epidemiológica. Não por acaso, a proporção de mortes no domicílio ou via pública em Manaus foi aproximadamente 100% maior em 2020, quando comparado a 2019. Um quantitativo aproximadamente três vezes maior do que o observado em São Paulo, no mesmo período. Em cidades como Rio de Janeiro e Fortaleza essa proporção também foi bastante elevada, sugerindo não só ampla subnotificação, como graves falhas no enfrentamento da epidemia”, revela o Jesem Orellana.
Ele alerta ainda que a análise das quatro capitais representa menos de 15% da população brasileira, e que se o estudo considerasse outras metrópoles e municípios, o excedente de mortes seria muito maior
“Na verdade, se a gente for pensar em Brasil, com 5000 e poucos municípios, esse número de mortes excedentes pode facilmente passar dos 100 mil e, nesses 100 mil, provavelmente, vamos ter muitos casos de Covid-19 que foram mal classificados. Essa estatística que estamos vendo hoje, de aproximadamente 74 mil mortes, está aquém da realidade, o número de mortes do Brasil, pode ser muito maior”, comenta.
O pesquisador informa que seu grupo continua os estudos sobre essa temática e, em breve, serão publicadas novas análises.
Acesse aqui o estudo Explosão da mortalidade no epicentro amazônico da epidemia de COVID-19