Estudo da Fiocruz Amazônia aponta que municípios amazonenses precisam potencializar seu protagonismo nas demandas de saúde

Municípios do Amazonas precisam superar a relação de dependência do Estado em relação à atenção primária à saúde (APS) e à rede de urgência e emergência (RUE), é o que aponta estudo de pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).

O estudo publicado na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil sugere que os municípios amazonenses precisam potencializar seu protagonismo e cumprir seus papéis na gestão das redes, instituindo um planejamento capaz de fortalecer a atenção primária à saúde, de reduzir as desigualdes e de dar respostas adequadas às necessidades de saúde de suas localidades.

Sob o título “Rede regional de saúde no contexto Amazônico: o caso de Manaus, entorno e Alto Rio Negro”, o artigo que tem como autores Amandia Braga Lima Sousa, Luiza Garnelo, Paulo Henrique dos Santos Mota, e Aylene Bousquat, analisou, a partir  das falas de gestores e profissionais de saúde,  as dimensões da política, estrutura e organização na construção das redes de atenção à saúde (RAS) em Manaus, Careiro da Várzea e São Gabriel da Cachoeira.

“O estudo demonstra que há um fraco protagonismo dos municípios na gestão das políticas de saúde e, em particular na política de regionalização em saúde, que foi o que analisamos mais diretamente”, destaca Luiza Garnelo.

No Brasil existem marcantes desigualdades regionais, que se expressam social e economicamente, explica Amandia Sousa. Na região amazônica, isso se sobressai diante de um contexto histórico, que concentrou recursos econômicos e populacionais em alguns pontos da região que contrastam das demais localidades, marcadas pelo isolamento, rarefação e ausência de políticas públicas, inclusive de saúde.

Um exemplo dessa realidade é Manaus que concentra 53,3% dos leitos de internação, 100% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 94,7% da urgência e emergência do Estado, 76,1% dos profissionais médicos e 100% dos aparelhos de tomografia e ressonância magnética, o que obriga os usuários a se deslocarem para a capital, até mesmo para realização de exames simples e consultas com especialistas, que não existem nos municípios menores.

O QUE PODE SER FEITO?

Luiza Garnelo dispõe o problema e seus encaminhamentos em dois níveis: setorial, e suprassetorial.  O nível setorial, situa-se no âmbito do sistema de saúde e implica na promoção de qualificação dos gestores e assessores, para ampliar seus domínios dos processos de gestão e do manejo de ferramentas de planejamento estratégico, para otimizar o uso dos recursos já disponíveis e definir prioridades, conforme as regionais, além de gerar pauta de reivindicações a serem negociadas junto aos governos estadual e federal,  para investimentos em informatização, em rede de serviços de saúde e contratação de pessoal (de execução e de gestão das ações de saúde), visando facilitar o aprimoramento da capacidade gestora dos municípios e dar continuidade às ações estratégicas, mesmo diante da mudança de gestores, o que costuma ocorrer pós processos eleitorais.

O nível suprassetorial encontra-se num plano mais amplo da transparência de gestão e democratização das relações sociais e da tomada de decisão,  o que requer a ampliação da capacidade técnica de gestão e do protagonismo dos entes a partir do comprometimento político dos dirigentes com a descentralização do poder, com uma distribuição mais igualitária dos recursos, para as necessidades dos grupos mais vulneráveis da sociedade.

“Parlamentares, dirigentes institucionais e líderes da sociedade civil precisam se unir para lutar por adicionais de financiamento em saúde, para lidar com as peculiaridades das condições sociais e ambientais amazônicas, que encarecem o custo dos procedimentos e de pessoal de saúde, e que hoje não estão contemplados na política de custeio do SUS”, sugere Luisa Garnelo.

A PESQUISA

Dentre as regiões de saúde do Amazonas, Manaus, entorno e Alto Rio Negro destacam-se por reunir mais de 60% da população do Estado, e por evidenciar o contraste entre a tentativa de construção de estratégias capazes de uma maior distribuição dos serviços e a concentração destes na capital, perpetuando a concentração dos recursos de saúde em Manaus, o que vai na contramão de uma proposta de regionalização.

Os municípios estudados foram selecionados segundo alguns critérios: Manaus, por ser polo de saúde da região; São Gabriel da Cachoeira, por ser o município mais distante do polo e por apresentar população e número de serviços de saúde intermediários para a região; e Careiro da Várzea, por ser próximo a Manaus, mas não acessível por via terrestre e, por dispor de pequeno número de estabelecimentos de saúde e habitantes.

O estudo demonstrou uma prioridade significativa para os cuidados em urgência em detrimento da construção de uma atenção primária em saúde, especialmente no que diz respeito à sua atuação enquanto coordenadora do cuidado, o que seria essencial por serem regiões rurais com características específicas, que demandam um alto custo para saúde com agravamento dos casos. Além disso, a Telessaúde foi avaliada positivamente pelo seu potencial na região.

Os critérios analisados foram as dimensões da política, estrutura e organização de estabelecimentos, e ações de saúde, aprofundando a observação sobre dois elementos essenciais dentro das redes de atenção à saúde (RAS):  a atenção primária à saúde (APS), devido ao seu papel de porta de entrada e coordenação do sistema, e a rede de urgência e emergência (RUE), por seu papel estruturante na construção das redes de atenção na região.

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A pesquisa revela ainda que por se tratar de uma região com questões históricas, geográficas, sociais e culturais específicas, as políticas pensadas para a Amazônia, no âmbito federal, necessitam de contrapropostas locais que sinalizem a melhor forma de implantação,  de acordo com as demandas específicas. Neste sentido, há necessidade da regionalização e da construção de redes de atenção à saúde como potencialidades para diminuir as desigualdades e as concentrações no âmbito dos recursos de saúde.

ILMD/Fiocruz Amazônia, por Marlúcia Seixas
Foto: divulgação